A divulgação em rede social da imagem de alguém sem autorização, sobretudo para disparar críticas contra quem é exposto, viola os direitos da personalidade e acarreta dano moral, passível de indenização. Essa conclusão fundamentou a sentença que condenou uma youtuber com 14,5 milhões de inscritos em seu canal a pagar R$ 25 mil a um motorista de aplicativo. A ré recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo.
“Não se discute aqui a simples captação da imagem do autor e, sim, sua divulgação em redes sociais, de forma não autorizada, com conteúdo ofensivo, o que acabou por acarretar dano a imagem do autor e, consequentemente, ofensa a seu direito de personalidade”, destacou o juiz José Carlos de França Carvalho Neto, da 7ª Vara Cível do Foro Regional de Santana, na Zona Norte da Capital.
O magistrado baseou a sua decisão em dois incisos do artigo 5º da Constituição Federal. O inciso V assegura o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. De acordo com inciso X, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
O artigo 20 do Código Civil também foi mencionado pelo julgador. Conforme essa regra, “salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”.
“É possível ver que no vídeo postado pela ré em sua rede social há exposição do autor como motorista de aplicativo responsável pela corrida, através de uma fotografia, sendo que a postura da ré assume um tom acusatório, já que teria sido forçada a descer do veículo antes do destino após o desentendimento sobre a abertura do vidro”, observou França Carvalho.
A youtuber juntou posteriormente à postagem um link, que direciona à plataforma do Youtube, na qual pede desculpas ao motorista em um vídeo, após admitir que publicou a sua imagem sem seu consentimento. No entanto, conforme o autor demonstrou, isso não evitou que a publicação originária da youtuber continuasse a repercutir em notícias veiculadas pela imprensa.
Para o juiz, o pedido de desculpa da autora e a exclusão da postagem não afastam a sua responsabilidade. “Consta dos autos a veiculação de notícia após a publicação pela ré do vídeo de desculpas, confirmando o quanto exposto na rede social. Destarte, mesmo que o vídeo com a exposição da imagem do autor tenha sido excluído após alguns minutos, é certo que, sendo a ré uma influenciadora digital, com numerosos seguidores, o vídeo logo se propagou, de forma generalizada.”
Em relação ao valor da indenização, França Carvalho justificou que o definiu com base em critérios de moderação, proporcionalidade e razoabilidade sugeridos pela doutrina e jurisprudência. A sentença também impôs à ré o pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, fixados em 15% do valor da condenação. O autor pretendia ser indenizado em 100 salários mínimos (R$ 132 mil).
Corrida interrompida
O conflito entre as partes ocorreu no dia 18 de maio de 2022. Segundo a inicial, logo após a ré embarcar no carro do autor e ser iniciada a corrida, ela exigiu fechamento dos vidros. Porém, o motorista teria deixado apenas a janela do seu lado entreaberta, “com espaço de três dedos”, justificando que cumpria protocolos de saúde em razão da pandemia do coronavírus.
Como a youtuber teria se mostrado irredutível, exigindo o fechamento integral dos vidros, o autor optou por estacionar o carro próximo do local de partida, para que ela desembarcasse com segurança e solicitasse outro veículo. Segundo o motorista, foi no momento que se afastava do automóvel que a ré o filmou, chamando-o de “ridículo”. Depois, tomou conhecimento da postagem, na qual a requerida aparecia chorando e distorcendo os fatos.
Segundo a ré, na ocasião da corrida fazia frio e não estava mais vigente o protocolo de saúde alegado pelo motorista, razão pela qual pediu o fechamento dos vidros. Quanto à postagem da foto do motorista, ela argumentou que, na condição de “influencer digital”, compartilha publicamente a sua rotina, desde quando acorda até o momento em que vai repousar. Por fim, negou ter ofendido o autor ou exposto a sua imagem a situação vexatória.
Porém, as versões das partes sobre o desentendimento que tiveram não atraíram o foco do juiz. “O cerne da controvérsia destes autos consiste em definir a existência (ou não) da prática de ato ilícito pela ré, a qual, segundo a peça inaugural, teria ofendido direito de personalidade do autor, ao tratá-lo de forma desrespeitosa, além de expor a imagem do autor nas redes sociais, sem a devida autorização, de forma vexatória.”
Fonte: CONJUR