O Governo Federal anunciou nesta quinta-feira (2/4) que o Ministério da Ciência e Tecnologia fechou acordo com cinco grandes operadoras de telecomunicações para ter acesso a dados anônimos de celulares e monitorar deslocamentos durante a pandemia do novo coronavírus.
O acordo envolve as operadoras Oi, Claro, Algar, Vivo e Tim e — conforme as partes envolvidas — visam unicamente ao combate à Covid-19. A ConJur entrou em contato com especialistas para colher posicionamentos sobre os desdobramentos jurídicos da medida.
A indústria de dados digitais vem se consolidando como uma das mais lucrativas do mundo — a ponto de a expressão cunhada pelo matemático inglês Clive Humby — para quem “os dados são o novo petróleo” — ser repetida por CEO’s de grandes empresas.
Os dados serão regulados no Brasil pela Lei Geral de Proteção de Dados, que entraria em vigor em agosto de 2020, data que pode ser prorrogada em 12 meses. Conforme nota do SindiTelebrasil, as informações serão organizadas de forma agregada, estatística e anônima em uma nuvem chamada data lake obedecendo aos critérios da LGPD.
O advogado especialista em internet e novas tecnologias, Omar Kaminski, enxerga a medida com certo ceticismo.
“Em tempos de comoção e antes mesmo da vigência da LGPD, esse monitoramento ‘a granel’ chamou a atenção, porque mesmo presentes o interesse público e um legítimo interesse, esbarra na forma de obtenção de tais dados, que é assunto do Marco Civil (Lei 12.965/14), e de como serão tratados, o que é matéria da LGPD. No fim, fica a sensação de que efeitos colaterais poderão surgir caso não haja um regramento específico. E nisto o adiamento da LGPD é desvantajoso, embora, de outro lado, a adequação ainda esteja longe de um ideal”, afirma.
Kaminski lembra que, conforme o discurso do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, são duas situações. “Uma é a obtenção dos dados pessoais das pessoas que receberão uma consulta eletrônica por parte do governo e outra é a utilização de dados de localização para monitorar o deslocamento das pessoas, no caso, se elas estão ficando em casa”, diz.
Dados contra pandemia
O Brasil não é o único país do mundo a usar dados dos cidadãos para combater o avanço da pandemia de Covid-19. A China usou dados para garantir que as pessoas respeitassem a quarentena. Israel, Singapura e Coreia do Sul também utilizaram combinações de dados de localização, imagens de câmera de segurança e dados de cartão de crédito para monitorar as pessoas.
A EFF (Electronic Frontier Foundation), entidade norte-americana que advoga pelos direitos civis na internet, é crítica à ideia e já divulgou posicionamento segundo o qual governos só deveriam ter acesso a esse volume de informações se demonstrassem de maneira clara como elas seriam usadas.
Vácuo jurídico
Coordenador da área de Cível do Rayes & Fagundes Advogados, Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira, acredita que mesmo que estivesse em vigor, a LGPD permitiria a ação do governo. “Existe a previsão na lei no artigo 7º que permite o tratamento de dados em questões que envolvem a proteção da vida ou a incolumidade física do titular ou de terceiros”, explica.
O advogado acredita que a preocupação com a exclusão desses dados no futuro é legitima. “Esses dados devem ser excluídos no momento seguinte ao fim da pandemia. Mas, como não temos uma agência reguladora implementada, existe a preocupação que o governo não respeite esse período para exclusão dos dados”, diz.
Ele explica que existe um vácuo legal na questão de dados no Brasil que deve ser aumentado com a possível nova suspensão da entrada de vigor da LGPD. “Se acompanharmos a lei de privacidade na Europa, iremos perceber que essas agências de regulação de dados atuam tanto na parte diretiva como na fiscalizatória. Aqui ficamos muito na parte fiscalizatória, mas ainda estamos caminhando na parte diretiva para tratamento de dados’, explica.
Moreira lembra do pronunciamento Conselho Europeu de Tratamento de Dados em relação ao combate da Covid-19. “Basicamente eles relevaram a legislação, com a ressalva de que os princípios da lei deveriam ser respeitados. Aspectos como a dignidade da pessoa humana e a garantia de que esses dados seriam usados apenas no combate a pandemia”, explica.
O consenso é que o governo deverá adotar a política mais transparente possível no uso desses dados.
Fonte: Conjur. Acesso em: 02/04/2020.