O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) derrubou liminar que desobrigava empresas de todo o país a divulgar relatórios de transparência salarial em seus sites e redes sociais. Os empregadores com mais de cem funcionários têm até domingo, dia 31, para fazer a publicação.
De acordo com a decisão, dada em ação movida pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), o formato dos relatórios, sem discriminar salários, apenas com porcentagens de homens e mulheres, não violaria a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ou normas anticoncorrenciais.
A obrigação de divulgar esse relatório está no Decreto nº 11.795, de novembro de 2023, que regulamentou a Lei de Igualdade Salarial – legislação que busca garantir a igualdade de gênero no local de trabalho. O documento foi elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e enviado às empresas na quinta-feira passada.
O formato dos documentos, sem expor salários, acabou inibindo uma nova onda de ações e pode fazer, segundo advogados, com que liminares concedidas sejam derrubadas. A tendência agora é que as empresas publiquem seus relatórios.
De acordo com a advogada Cibelle Linero, sócia da área trabalhista do BMA, os dois grandes argumentos que existiam contra a publicação, sobre violação da LGPD e danos à concorrência, acabaram caindo com a divulgação dos relatórios. “A chance de êxito nessas ações agora é baixa. E como a lei fala em publicação semestral, só não diz onde, acho que não daria para questionar, uma vez que hoje tudo se publica na internet”, diz. Para ela, essas liminares já concedidas devem ser derrubadas pouco a pouco.
Ao publicar o relatório, diz Cibelle, a empresa poderá fazer ressalvas, se for o caso. Ela lembra que o documento é baseado em dados de 2022. Somente se existir erro passível de demonstração no relatório individual, é que seria recomendada uma ação individual, de acordo com a advogada.
O advogado Fabio Medeiros, do Lobo de Rizzo, concorda. A maior parte das companhias, diz, tem optado por aguardar o fim do prazo para ver se não haverá suspensão dessa obrigação. O que poderia acontecer por parte do Ministério do Trabalho e Emprego ou por meio da ação movida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Confederação Nacional do Comércio (CNC) no Supremo Tribunal Federal (ADI 7612). O caso foi remetido direto ao pleno pelo relator, ministro Alexandre de Moraes. Por ora, não há data para o julgamento.
“Caso não exista suspensão, a maior parte delas deve seguir com a publicação”, diz Medeiros. Nesse caso, afirma, é importante que as empresas destaquem que o relatório foi elaborado com dados de 2022, obtidos por meio do eSocial e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e que a publicação se dá por obrigação legal.
Algumas empresas, diz Medeiros, têm enviado e-mails para o Ministério do Trabalho e Emprego para pedir acesso aos dados que fundamentaram seus relatórios. Há dúvidas, acrescenta, sobre os cálculos das medianas e como foram feitos os agrupamentos por Classificação Brasileira de Ocupação (CBO), para tentar chegar no resultado obtido ou avaliar se existem divergências que justificariam uma ação judicial.
O momento agora é de tentar entender esses dados, segundo a advogada Daniela Yuassa, sócia trabalhista do Stocche Forbes. “Na segunda-feira foi realizada uma live do MTE. Apresentaram os resultados gerais e a metodologia, mas não se detalhou muita coisa. Várias empresas estão fazendo esse exercício para tentar chegar nos números do relatório, mas não conseguem”, diz. Nessa live sobre os relatórios, o MTE apontou que mulheres ganham 19,4% a menos do que os homens. Em cargos de dirigentes e gerentes, a diferença seria ainda maior: 25,2%.
Diante disso, algumas companhias ainda ponderam, segundo Daniela, se seria o caso de divulgar esses relatórios em seus sites com algumas notas explicativas. “Outras pensam em entrar com ação, mas por enquanto não está nada fechado.” Para ela, porém, liminares obtidas com base na argumentação de que o relatório poderia violar regras da LGDP ou afetar questão concorrencial devem começar a cair.
Foi o que ocorreu no caso da Fiemg. A presidente do TRF da 6ª Região, desembargadora federal Monica Jacqueline Sifuentes, afirma na decisão que não são divulgados nomes e dados individuais de cada empregado, não há lesão à intimidade, à privacidade ou à Lei nº 13.709, de 2018 (LGPD).
A desembargadora ainda destaca que a Lei da Igualdade Salarial “reflete o compromisso do texto constitucional em promover não apenas a igualdade formal, mas também a igualdade substancial, por meio de políticas públicas que buscam equilibrar as disparidades de gênero existentes na sociedade” (processo nº 6002520-79.2024.4.06.0000).
Por nota, enviada ao Valor, a Fiemg afirma que vai recorrer. “Estamos defendendo a sociedade, para evitar que seus dados sejam expostos e usados para meios indevidos. Não entendemos o sentido de publicar dados específicos de renda, tanto de homens quanto de mulheres”, diz o presidente da entidade, Flávio Roscoe.
A discussão agora no Judiciário, segundo a advogada Daniela Yuassa, só poderia girar em torno de que essa obrigação não poderia ter sido imposta pelo Decreto nº 11.795, de novembro de 2023, por ter extrapolado o que estabelece a Lei de Igualdade Salarial. Além disso, acrescenta, poderão ser levados à Justiça casos de erros específicos nos relatórios das empresas.
A Drogaria Pacheco e a Drogaria São Paulo foram as primeiras a obter decisões favoráveis sobre o assunto. As liminares que as desobrigam a divulgar esses relatórios ainda valem (processos nº 5004530-33.2024.4.03.6100 e nº 5011649-62.2024.4.02.5101). Também está vigente liminar que beneficia os filiados da Associação Brasileira de Proteína Animal e da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (processo nº 5006121-94.2024.4.03.0000).
Maria Carolina Seifriz Lima, sócia do Andrade Maia Advogados, que defende as redes de farmácias, afirma que a maioria das decisões favoráveis contempla outros fundamentos jurídicos para o deferimento da pretensão empresarial, e não exclusivamente a afronta à LGPD e à livre concorrência.
Dentre esses outros argumentos, ela cita a inobservância, na elaboração do relatório, de critérios que a própria legislação trabalhista reputa como justos para a distinção salarial entre pessoas, independentemente de gênero, em especial o que dispõe o artigo 461 da CLT. O dispositivo estabelece que, “sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade”.
Procurado pelo Valor, o MTE não deu retorno até o fechamento da edição