Quase quatro anos depois da primeira edição, São Paulo é palco do segundo Converge Capital, organizado este ano pelos especialistas em investimentos sustentáveis Marina Cançado e Tony Lent. Ao longo da terça-feira (21), centenas de empresários, especialistas em sustentabilidade, conselheiros de administração de companhias abertas e fechadas, representantes do setor financeiro e de investimentos disputaram as cadeiras para assistir ao evento no SP Hall. Na quarta (22), o mesmo local recebeu o Capital For Climate, cujo foco era mostrar a investidores, family offices e gestores de recursos as oportunidades para o capital verde. Os dois eventos fazem parte da Brazil Climate Investment Week.
Nos dois dias, as falas das dezenas de pessoas que passaram pelo palco foram unânimes em dizer que, na economia verde, o Brasil é o grande destaque global e que o governo brasileiro está tentando fazer o seu papel criando um arcabouço legal para o mercado de carbono, planos de transformação da economia como um todo com olhar na sustentabilidade e e estruturando mecanismos para diminuir o risco-país.
“O Brasil é o principal ‘player’ para nature based solutions [soluções baseadas na natureza]”, pontua Tony Lent, na abertura do segundo dia, ao destacar que serão necessários cerca de US$ 125 bilhões para desenvolver o segmento. “Até a COP 30 [em Belém, Pará] será preciso mobilizar cerca de US$ 5 bilhões”, diz.
Para ele, o Brasil tem várias características que o tornam único, como estabilidade política, recursos naturais, florestas conservadas e áreas para restauração, agricultura de baixo carbono e capital disponível.
Ele conta que sua organização identificou mais de 200 projetos em soluções baseadas na natureza no país – como “nature tech startups” – e filtrou um pouco mais de 20, que foram apresentadas a potenciais investidores no próprio evento.
Patrícia Ellen, cofundadora do AYA Earth Partners, pontua que o governo federal e os ministérios estão empenhados em estimular a agenda verde e cita alguns programas como o Plano Clima, a Nova Indústria, o Plano Nacional de Descarbonização e o Plano de Transição Ecológica, articulado pelo ministério da Fazenda em parceria com outras pastas, como o Ministério do Meio Ambiente.
“Até o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] tem um recorte de descarbonização. Mas, só um terço dos US$ 230 bilhões que estima-se serem necessários para desenvolver a economia verde já está contemplado nos programas de governo. Os outros dois terços terão de vir da iniciativa privada”, diz.
Ellen mediou painel com Vinícius Azeredo, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e Lucas Ramalho Maciel, diretor de Novas Economias da Secretaria de Novas Economias do Ministério de Indústria e Comércio. Ambos destacaram os avanços do governo para diminuir riscos e atrair investimentos, como, por exemplo, a reforma tributária e o Programa de Mobilização de Capital Privado Externo e Proteção Cambial, o chamado Eco Invest Brasil, que tem como objetivo reduzir o risco cambial (uma das maiores preocupações de investidores internacionais) são citados no evento como pontos positivos para atrair recursos externos para uma agenda socioambiental e ligada à mitigação das mudanças do clima.
Em outro momento, Luciana Costa, diretora de Infraestrutura, Transição de Energia e Mudanças Climáticas do BNDES, também elencou uma série de ações que o banco de desenvolvimento econômico e social tem feito para ajudar a alavancar a economia verde. Ela destacou setores onde o Brasil pode se diferenciar, tais como combustíveis verdes, como o sustentável de aviação (SAF), biometano, hidrogênio verde e outros. “Em muitos casos, são projetos que perdem dinheiro nos primeiros anos para depois ter retorno. Por isso, o BNDES talvez tenha que participar com equity em tecnologias mais novas, via BNDESPar”, diz.
O especialista em meio ambiente, recursos naturais e economia, Garo Joseph Batmanian, lembra que a indústria da restauração florestal é outra promissora. “Não temos uma indústria que promove restauração sementes, por exemplo. Podemos investir e profissionalizá-la, desenvolvendo os viveiros de sementes e mudas e também assistência técnica”, diz.
Rebrading e ações
O otimismo dos painelistas dos dois dias, porém, veio seguido de tons alarmantes de urgência para colocar as ideias na prática e até com sugestão de que o país precisa focar no “branding” (construção de marca) internacional. “Precisamos fazer o branding correto e promover articulação com o governo federal”, diz Ana Luci, sócia da área de Sustentabilidade e Mudanças Climáticas da EY. “Por articulação, me refiro a olhar políticas públicas de hoje e adaptá-las para a ação”, completa.
Ela cita como exemplo que o país não tem uma política de fundo de desenvolvimento econômico com variável ambiental. Também lembra que, dado que já está prevista uma frequência maior para desastres ambientais como as chuvas intensas vistas no Rio Grande do Sul nas últimas semanas e a seca na Amazônia alguns meses atrás, os contratos de negócios e e seguros, em geral, devem ser atualizados.
“Não consigo mais usar o argumento de evento de força maior pois já sabemos o que pode acontecer, é previsível e mitigável. Preciso atualizar o cenário”, diz. Para ela, esse assunto precisa ser colocado à mesa para discussão “sem preconceitos” e “com inteligência”.
Luci destaca ainda que a regulação do mercado de carbono, ainda em tramitação no Congresso Nacional, é importante para trazer segurança jurídica e atrair investimento. E lembra que a interoperabilidade dos mercados de carbono regulado e voluntário pode ser um diferencial para desenvolver o setor.
Mansueto de Almeida, ex-secretário do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do BTG Pactual, no mesmo painel, disse que não dá para ignorar o meio ambiente na pauta de negócios e de investimentos. “O respeito ao meio ambiente pode abrir mercado de financiamento a custo mais barato. A agenda ambiental agora faz parte do ambiente financeiro. Antes era algo acessório, para se diferenciar, e até para ser ação do marketing, mas agora é uma condição de sobrevivência”, diz.
Lembrando o episódio do Rio Grande do Sul, Almeida pontua que o risco climático, que até poucos anos era “imprevisível”, já não é mais, pois passa a ser mais frequente. Por isso, seguindo a mesma lógica, diz, o crédito extraordinário reservado pelo setor público para ser usado nesses momentos, “não é mais extraordinário”. “Vamos ter que aprovar todo ano recursos para isso, que será cada vez mais frequente”, diz.
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, organização que atua para acelerar as ações de descarbonização e adaptação climática, acredita que parte do dinheiro só não chega ao Brasil porque faltam projetos estruturados. “Como o Brasil pode acessar recurso barato e disponível? Falta estratégia e pipeline de projetos para isso. A Indonésia tem até um fundo de adaptação e criou uma regulação que internaliza essa estratégia”, diz.
Ela aponta que são três as demandas urgentes para o Brasil: desenvolver um consistente plano de transição energética, aprovar um sistema robusto de comércio de emissões e colocar dentro do portfólio do PAC um pipeline de descarbonização e resiliência climática.
Arthur Ramos, diretor e sócio da área de Energia da consultoria BCG Boston Consulting Group (BCG), concorda que a regulação do carbono será um ponto de virada. “O ponto principal da tônica é que é importante que acreditemos muito na precificação do carbono. Se não aplicarmos o preço interno do carbono, não estamos mapeando os riscos corretamente”. Para ele, a regulação do mercado de carbono, colocando tetos para poluição em determinados setores pode tornar o Brasil mais competitivo, uma vez que passa a ser mais caro poluir e não ter plano de descarbonização.
“É importante lembrarmos que a due diligence da cadeia de fornecedores fomeçou como voluntária para as empresas e evolui para força de lei agora, na União Europeia”, aponta Caroline Prolo, advogada especialista em direito ambiental e direito das mudanças climáticas, membro da diretora da rede LACLIMA e sócia da gestora fama re.capital. “O setor privado às vezes precisa desses ‘nudges’ [empurrões] para mudar. A lei de precificação de carbono é um exemplo disso”, diz.
Luciana Ribeiro, sócia da gestora EB Capital, concorda que o pipeline de soluções baseadas na natureza pode ser maior, mas se atenta ao fato de que “é preciso mudar o mindset para engajar investidores e mobilizar capital”. Parte do dinheiro, acredita, virá de capital filantrópico porque é necessário um certo grau de tolerância a risco e paciência para o setor amadurecer.
André Esteves, presidente do conselho de administração e sócio BTG, defendeu, na abertura do evento na terça-feira, que a escala importa para projetos de bioeconomia, mesmo na Amazônia. “A colheita da semente da floresta é legal, mas isso não vai mudar a vida das comunidades. Projetos com escala que vão fazer a diferença, humanitária e econômica”, diz, citando como exemplo de escalas os projetos de restauração florestal em grandes áreas devastadas.
Carolina Grottera, gerente de projetos na Secretaria de Articulação e Monitoramento (SAM), afirma que ao estimular essa nova economia, também há mais geração de emprego, renda e justiça social. Também defende que o país não se limite a gerar energia de baixo carbono, mas usar esse recurso para exportar produtos de baixa emissão. “Não temos só o hidrogênio mais competitivo do mundo, mas o setor siderúrgico maduro. Não queremos ser só exportadores de commodities verdes. Por que não usar [a energia verde] para agregar valor em produtos industriais?”, aponta.