Especialista afirma que, apesar da ausência de legislação específica, tribunais já reconhecem o valor dos ativos digitais.
A chamada “herança digital” — tema até então pouco explorado no Judiciário brasileiro — começa a ganhar contornos mais definidos. Em uma decisão inédita, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça começou a analisar a possibilidade de acesso a bens digitais em inventário, sinalizando um avanço significativo na compreensão e regulamentação desse patrimônio intangível.
Para a advogada Vanessa Paiva, especialista em Direito de Família e Sucessões, a movimentação do tribunal é um marco importante. Ela destaca que, apesar da ausência de legislação específica, os tribunais já reconhecem o valor dos ativos digitais. Este cenário emergente exige atenção de todos que buscam garantir a transmissão de seu legado online.
A decisão do STJ, que teve como relatora a ministra Nancy Andrighi, propõe um procedimento judicial especializado para o acesso à herança digital em inventário. Este procedimento prevê a nomeação de um “inventariante digital”, profissional capacitado para acessar o conteúdo digital com sigilo, elaborar uma lista detalhada e submetê-la ao juiz.
O objetivo é equilibrar a preservação patrimonial com o respeito à privacidade de quem morreu, decidindo quais bens são transmissíveis e quais devem ser preservados por envolverem direitos da personalidade.
Segundo Vanessa Paiva, a decisão recente do STJ reconhece a necessidade de um procedimento judicial especializado para acesso à herança digital em inventário. Esse procedimento busca evitar exposição indevida de dados íntimos ao mesmo tempo que assegura a identificação de ativos de valor econômico ou sentimental.
Ativos digitais
A herança digital abrange uma vasta gama de ativos, desde aqueles com valor econômico, como criptomoedas, direitos autorais de conteúdos digitais, certificados de e-commerce e rendimentos de plataformas online, até bens de valor afetivo, como contas em redes sociais, e-mails, fotos, vídeos e arquivos pessoais.
A advogada ressalta que, embora muitas vezes vinculados a restrições contratuais das plataformas, esses ativos estão sendo admitidos como bens patrimoniais na sucessão.
Um exemplo notório que trouxe à tona a discussão sobre herança digital foi o caso da cantora Marília Mendonça. Embora correndo sob sigilo, seu inventário movimentou debates sobre a patrimonialização do legado digital, incluindo seus perfis com milhões de seguidores e os direitos autorais de suas músicas.
A urgência da regulamentação
A ausência de uma legislação específica sobre herança digital no Brasil tem sido um desafio, mas projetos de lei em tramitação no Congresso buscam preencher essa lacuna. O Projeto de Lei 4/2025, por exemplo, visa a criar uma definição do que pode compor a herança digital, incluindo senhas, dados financeiros, perfis de redes sociais, contas, arquivos de conversas, vídeos e fotos.
Fonte: M2 Comunicação Jurídica – Debate Jurídico