Em uma reviravolta, ao julgar a validade de alterações na Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei 8.213, de 1991) inseridas pela Lei nº 9.876, de 1999, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a tese da “revisão da vida toda”. A derrota dos aposentados é uma vitória bilionária para o governo federal, que estimava custo potencial de R$ 480 bilhões, conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024.
O impacto financeiro da discussão não era unânime. Para o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), existiriam cerca de 383 mil benefícios passíveis de revisão e o valor seria bem menor: de R$ 1,5 bilhão. Isso porque a tese beneficiaria um grupo restrito de aposentados. Apenas aqueles que estavam na regra de transição da Reforma da Previdência de 1999 e seriam prejudicados pela regra prevista.
Ao julgar o tema em dezembro de 2022, o STF deu uma opção aos aposentados, pelo cálculo mais benéfico. Hoje, uma nova composição da Corte derrubou essa possibilidade, em julgamento de outras duas ações (ADI 2110 e 2111) em que a revisão era uma questão lateral – um recurso sobre esse julgado de 2022 também estava na pauta, mas não chegou a ser hamado (RE 1276977).
No julgamento desta quinta-feira, os ministros validaram a criação do fator previdenciário e o condicionamento do pagamento de salário-família à apresentação de cartão vacinação e presença da criança na escola. Por maioria de votos (seis a cinco) foi derrubada a exigência de carência de dez meses para o pagamento de salário-maternidade para as contribuintes individuais. Votaram nesse sentido os ministros Edson Fachin, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso.
O principal ponto de divergência foi justamente a regra de transição estabelecida no artigo 3º da Lei nº 9.876. Até a edição dessa lei, para calcular o valor da aposentadoria eram considerados os 36 maiores salários nos 48 meses antes da aposentadoria ou falecimento do beneficiário. A partir da lei passaram a ser considerados os 80% maiores salário de toda a vida do trabalhador.
A lei fixou uma regra de transição para quem tinha começado a contribuir até sua data de publicação, mas não tinha se aposentado, que era usar para o cálculo os 80% maiores salários excluídos os salários anteriores a julho de 1994, quando foi implementado o Plano Real.
A divergência analisada hoje no STF estava no regime de transição. Os ministros discutiram se o beneficiário estaria sujeito à regra de transição ou poderia se beneficiar da regra definitiva que vale para quem entrou depois.
A obrigatoriedade do regime de transição foi o entendimento que prevaleceu, por sete votos a quatro. Votaram nesse sentido os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Nunes Marques.
A tese aprovada afirma que: “A declaração de constitucionalidade do artigo 3º da Lei 9876, de 1999, impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, em sua interpretação literal, que não permite exceção: o segurado do INSS que se enquadra no dispositivo, não pode optar pela regra definitiva, independente de lhe ser mais favorável”.
“Por meio de duas ADIs, que foram desenterradas e nem tratam da revisão da vida toda, conseguiram anular [a revisão da vida toda]. Colocaram um fim ao direito do aposentado”, afirmou João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, que representa aposentados e participava da ação na representação de parte interessada (amicus curiae).
“O que aconteceu hoje foi um golpe processual. Usaram um processo de 25 anos atrás para matar uma tese nova que foi julgada em repercussão geral. Estamos curiosos para saber como vai funcionar processualmente”, afirmou Diego Cherulli, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). “Isso é muito perigoso para a segurança jurídica, segundo o advogado, pois indica que a decisão depende da composição da Corte. “O prejuízo é imenso para os aposentados e pensionistas”, disse.
Segundo Cherulli há alguns aposentados que já obtiveram o direito em processos judiciais em que não cabe mais recurso (trânsito em julgado) e para eles nada deve mudar. Mas para quem tem processo em curso a tendência é ter o pedido negado.
“Por uma estratégia processual daqueles que queriam vencer a tese, colocaram as ações julgadas hoje primeiro e eles declararam o direito. Foi uma estratégia processual, usar um processo para derrubar outro”, afirmou Cherulli. O advogado acredita que o recurso pendente na decisão de 2022 será declarado prejudicado e arquivado.
As ações julgadas hoje chegaram ao Pleno após destaque feito pelo ministro Cristiano Zanin no Plenário Virtual do STF, que conduziu o voto vencedor. O ministro Alexandre de Moraes foi um dos mais críticos à análise da revisão da vida toda nesse caso. “Se houver uma revisão estaremos revendo uma decisão dada por um Plenário por outro Plenário”, afirmou, em referência à mudança de composição em relação ao julgamento de 2022.
O ministro Cristiano Zanin afirmou que o recurso sobre a revisão da vida toda não transitou em julgado, estando pendentes embargos de declaração, previstos para a pauta de ontem. “Já foi julgado o mérito, seria uma omissão ou contradição”, destacou Moraes ao votar.
O advogado geral da União, ministro Jorge Messias, afirmou, por meio de nota, que a decisão garante a integridade das contas públicas e o equilíbrio financeiro da Previdência Social. “Trata-se de uma decisão paradigmática para o Estado Brasileiro”, afirmou.
Ainda segundo o ministro, a decisão evita a instalação de um “cenário de caos judicial e administrativo” que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) iria, inevitavelmente, enfrentar caso tivesse que implementar a chamada tese da revisão da vida toda, como observado na argumentação apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) nos processos em trâmite no STF.
“A decisão do STF garante segurança jurídica e confirma entendimento fixado pelo próprio tribunal há mais de 20 anos”, disse Messias.
A decisão foi amplamente celebrada dentro da equipe econômica do governo federal. “É uma vitória imensa para o país”, disse uma fonte do Ministério da Fazenda. Os R$ 480 bilhões na LDO deste ano significam que, embora a decisão do STF não represente um ganho de arrecadação, o governo federal não corre mais riscos de perder a quantia calculada pela equipe econômica. Desde que assumiu o cargo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já destacou diversas vezes, publicamente, a importância dessa decisão tomada ontem. (Colaborou Estevão Taiar)