O Supremo Tribunal Federal concluiu, nesta quinta-feira (26 de junho), o julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) — temas 987 e 533 da repercussão geral —, que disciplina a responsabilidade civil dos provedores de aplicação por conteúdo de terceiros.
Votaram a favor de sua constitucionalidade os ministros André Mendonça, Edson Fachin e Kassio Nunes Marques, sendo, contudo, vencidos pela tese de inconstitucionalidade parcial (repercussão geral), apresentada pelo relator do Tema 987, ministro Dias Toffoli.
O entendimento majoritário estabelece quatro regimes distintos de responsabilidade civil para as plataformas digitais, conforme o tipo de serviço, a natureza do conteúdo, o grau de diligência e a eventual veiculação de publicidade paga:
- Necessidade de ordem judicial para remoção em casos de crimes contra a honra (Artigo 19 do MCI);
- Remoção de conteúdo a partir de notificação extrajudicial para crimes e atos ilícitos em geral (Artigo 21 do MCI)
- Dever de cuidado — aplica-se a um rol taxativo de condutas graves a serem observadas pelos provedores;
- Presunção de responsabilidade — recai sobre anúncios e conteúdo impulsionado mediante pagamento.
Foram também definidas diversas obrigações procedimentais aos provedores, sem, contudo, indicar órgão fiscalizador específico para seu cumprimento — tanto em relação às notificações quanto ao dever de cuidado.
Segue abaixo a explicação de cada tópico que compõe a tese do STF:
- Reconhecimento da inconstitucionalidade parcial. O art. 19 do Marco Civil (Lei 12.965/2014) é declarado parcialmente inconstitucional por não proteger adequadamente direitos fundamentais e a democracia, configurando uma omissão legislativa.
- Interpretação do art. 19 do MCI. Enquanto não houver nova lei, aplica-se o art. 19 do MCI de modo a sujeitar os provedores de aplicação à responsabilização civil, respeitadas as normas específicas da legislação eleitoral e os atos normativos expedidos pelo Tribunal Superior Eleitoral.
- Responsabilização conforme art. 21 do MCI (notice and takedown). Provedores devem responder civilmente pelos danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, devendo, inclusive, proceder à remoção do referido conteúdo ilícito.
- Crimes contra a honra. Para os crimes contra a honra aplica-se o art. 19 do MCI, podendo a remoção do conteúdo ocorrer em decorrência de notificação extrajudicial.
- Repetição de conteúdo já removido. Todos os provedores devem remover conteúdos ilícitos idênticos que já foram judicialmente reconhecidos como tal, após notificação judicial ou extrajudicial.
- Presunção de responsabilidade em casos específicos. Conteúdos patrocinados ou distribuídos por rede artificial (chatbots ou robôs) geram presunção de culpa, dispensando notificação prévia. o provedor se exime da responsabilização se demonstrar ação diligente e tempestiva para tornar o conteúdo indisponível.
- Dever de cuidado em disseminação massiva de ilícitos graves. Os provedores devem retirar imediatamente conteúdos de alta gravidade, sob pena de responsabilização, nos seguintes casos:
1) condutas e atos antidemocráticos;
2) crimes de terrorismo ou preparatórios de terrorismo;
3) crimes de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação, nos termos do art. 122 do Código Penal;
4) incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero (condutas homofóbicas e transfóbicas);
5) crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino, inclusive conteúdos que propagam ódio ou aversão às mulheres;
6) crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes;
6) tráfico de pessoas;
A responsabilização dos provedores com relação aos crimes acima, diz respeito à falha sistêmica: deixar de adotar adequadas medidas de prevenção ou remoção dos conteúdos ilícitos, configurando violação ao dever de atuar de forma responsável, transparente e cautelosa.
Consideram-se adequadas as medidas que, conforme o estado da técnica, forneçam os níveis mais elevados de segurança para o tipo de atividade desempenhada pelo provedor.
A existência de conteúdo ilícito de forma isolada, por si só, não é suficiente para ensejar a aplicação da responsabilidade civil do presente item, incidindo o regime de responsabilidade previsto no art. 21 do MCI (notice and takedown).
O usuário responsável pela publicação do conteúdo removido poderá requerer judicialmente o seu restabelecimento mediante a demonstração da ausência de ilicitude, sem imposição de indenização ao provedor.
- Âmbito de aplicação do art. 19 do MCI. Aplica-se a provedores de serviços de e-mail, de áudio e/ou videoconferência fechada e de mensageria instantânea ou privada, respeitado o sigilo das comunicações.
- Marketplaces. Provedores que atuam como marketplaces respondem civilmente, conforme disposições do Código de Defesa do Consumidor.
- Autorregulação. Os provedores devem instituir regras internas contendo, obrigatoriamente (i) sistema de notificações; (ii) devido processo e (iii) relatórios anuais de transparência sobre notificações, anúncios e impulsionamentos.
- Canais de atendimento. Oferecer meios acessíveis e permanentes (preferencialmente eletrônicos) para usuários e não usuários apresentarem reclamações.
- Atualização pública das regras. Normas de autorregulação devem ser publicadas e revisadas periodicamente, com transparência.
- Representação no Brasil. Provedores atuantes no país devem manter sede e representante legal com plenos poderes para:
(i) atender autoridades administrativas e judiciais; (ii) fornecer informações sobre o funcionamento do provedor, regras de moderação de conteúdo, gestão de reclamação, relatórios de transparência e gestão de riscos sistêmicos, o perfilamento de usuários (se aplicável), veiculação de publicidade e impulsionamento de conteúdos; (iii) cumprir ordens judiciais; e (iv) responder por multas, penalidades e afetações financeiras em que o representado incorrer, especialmente por descumprimento de obrigações legais e judiciais.
- Natureza da responsabilidade. Exclui-se a responsabilidade objetiva no regime ora definido.
- Chamado ao Legislativo. Roga-se ao Congresso Nacional a elaboração de legislação que sane as deficiências quanto à a proteção de direitos fundamentais no atual regime.
- Modulação dos efeitos. A decisão vale apenas para o futuro (prospectiva), não atingindo decisões já transitadas em julgado.
Alertamos que este material foi elaborado para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. Os advogados do Gomes Altimari Advogados estão à disposição para oferecer esclarecimentos adicionais sobre o tema.
Lucas Colombera Vaiano Piveto – lucas@gomesaltimari.com.br
Cassiano Rodrigues da Silva Neto – cassiano@gomesaltimari.com.br