Para Dias Toffoli, a penalidade aplicada se baseou apenas na presunção da fiscalização, sem elementos concretos de fraude ou vínculo direto.
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), em São Paulo, que validava um auto de infração do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) contra um restaurante em São Paulo que terceirizava sua mão de obra. A empresa havia sido multada em R$ 401,6 mil por fraude na terceirização e configuração de vínculo empregatício direto.
Toffoli entendeu que a penalidade aplicada se baseou apenas na presunção da fiscalização, sem elementos concretos de fraude ou vínculo direto. Por isso, decidiu por cassar o acórdão e determinou que uma nova decisão seja proferida, em conformidade com os precedentes do Supremo que admitiram a terceirização ampla e irrestrita. A decisão foi dada por meio da reclamação constitucional (Rcl) 82.770, movida pelo restaurante Estância Caipira contra a decisão do TRT2.
No TRT, os desembargadores haviam entendido que, no caso, o auditor fiscal detectou irregularidades que justificaram a autuação. E que, ao fazer a simples declaração de vínculo, não estaria invadindo a competência da Justiça do Trabalho.
“Dito de outra forma, implica na constatação de que o empregador se sujeita à autuação, não restando esvaziadas as funções administrativas fiscalizatórias do auditor fiscal do trabalho, mas o vínculo de emprego em relação aos empregados só poderá ser declarado, pela Justiça do Trabalho no exercício de seu poder jurisdicional e no âmbito de sua esfera de competência, a qual não resta invadida pela atuação do auditor”, diz a decisão.
Diante do acórdão, o restaurante entrou com reclamação constitucional no Supremo. O estabelecimento alegou que os serviços foram prestados por meio de contrato com a NPSP Promoções e Eventos Ltda. e que a decisão do TRT contraria precedentes do STF — especialmente o julgamento da ADPF 324 e do RE 958.252 (Tema 725 da repercussão geral) — que reconheceram a licitude da terceirização, inclusive em atividade-fim, com base no princípio da livre iniciativa.
Ao analisar o caso, o ministro Dias Toffoli destacou que o ponto central da reclamação é a legalidade do contrato firmado pelo Restaurante Estância Caipira com a empresa NPSP Promoções e Eventos Ltda. para fornecer trabalhadores em sua atividade-fim. E que a multa aplicada pela fiscalização trabalhista se baseou apenas na presunção de vínculo, sem provas concretas de que os empregados atuavam diretamente para o restaurante.
“Compreendo, assim, que a conclusão pela regularidade de sanção administrativa aplicada a empresa tomadora de serviços justificada na constatação de atuação de trabalhadores terceirizados em sua atividade fim viola os julgados desta Corte nos quais se assentou a compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa na terceirização do trabalho”, diz Toffoli na decisão.
O ministro então determinou que a decisão do TRT seja cassada, e que o caso seja reanalisado à luz da jurisprudência do Supremo, que admite a terceirização ampla. Revisão de autuações O advogado do restaurante, Ricardo Calcini. sócio fundador de Calcini Advogados e professor de Direito do Trabalho do Insper/SP, afirma que “trata-se de decisão juridicamente muito relevante no atual contexto e, inédita ao que se tem conhecimento para as empresas, que sofreram autuações pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho”.
Calcini afirma que o reconhecimento do vínculo de emprego pelo auditor-fiscal do trabalho tradicionalmente é uma questão controvertida na jurisprudência trabalhista, notadamente no âmbito do TST. “Ainda mais quando é acompanhada de imposição de auto de infração que, no caso concreto, nem sequer foi desconstituído via ação anulatória, o que justificou o ajuizamento da reclamação para o STF”.
A decisão, segundo Calcini, ainda sinaliza que podem ser judicializadas no STF não só as multas administrativas decorrentes dos autos de infrações lavrados pelo MTE, como também eventuais TAC e demais procedimentos administrativos conduzidos pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
De acordo com Ronald Sharp Junior, auditor fiscal do trabalho aposentado, a decisão não entrou nas questões fáticas, ou seja, não analisou se havia fraude ou se estavam presentes os requisitos do vínculo empregatício. “O ministro baseou-se apenas na tese de que a terceirização é lícita ponto que já é pacífico e não se discute”, diz.
Para Sharp, o problema é que, na prática, o fiscal do trabalho não lavra o auto de infração simplesmente porque houve terceirização, mas porque encontrou indícios que configurariam vínculo de emprego, como habitualidade, subordinação e dependência econômica.
“Toffoli, porém, não tratou dessa discussão sobre eventual fraude”, afirma explicando que a reclamação não permite análise de matéria de fato em nenhuma hipótese — e justamente as questões de fato são essenciais para julgar esse caso. ” Por isso, a reclamação deveria ter sido julgada improcedente, já que não cabe nela a apreciação desses elementos fáticos”, explica.
Fonte: JOTA