Antes de se adentrar de forma mais específica nos motivos que justificam o título, é pertinente consignar que a população esta cada vez mais conectada nos mais variados dispositivos tecnológicos e nas diversas plataformas ou aplicativos. Agora, como podem ser altamente lucrativos tais negócios, se o usuário não precisa despender financeiramente para ter acesso a um produto ou serviço?
No modelo de negócio tradicional, inquestionável é que os consumidores efetuam o pagamento de uma determinada quantia pecuniária para ter direito ao bem desejado. Já na nova economia, os modelos de negócios existentes na rede mundial de computadores estão baseados cada vez mais na disponibilização de um produto/serviço “gratuito” em troca da cessão de dados pessoais. Aqui, o consumidor passa a ser o próprio produto.
Isso significa que os referidos dados pessoais vinculados aos cidadãos são apresentados como verdadeira moeda de troca (trade-off) nesta economia, para que seja possível ter acesso a um portal de notícias, enviar e-mails, interagir nas redes sociais, pesquisar determinado conteúdo indexado na rede ou traçar a melhor rota de viagem.
Mas e a relação do FaceApp com esses argumentos? Em meados de julho, o FaceApp tornou-se muito popular por aplicar um filtro de modificação dos rostos de seus usuários, alimentado por inteligência artificial, que deixava todo mundo mais velho.
Na política de privacidade do repentino aplicativo de retrato envelhecido, há informações de que a organização coleta todo o conteúdo que é postado por meio do serviço, isto é, fotos a serem editadas e imagens após a edição, além de informações usadas pelo aparelho do usuário.
Ainda, a política prevê que o usuário concede uma licença perpétua, irrevogável e transferível para que o FaceApp possa reproduzir, modificar, adaptar, publicar, distribuir e exibir as informações em qualquer formato midiático, concedendo, assim, a possibilidade dela fazer uso comercial das imagens.
O perigo reside no fato de que esse banco de dados pode servir de alicerce para que organizações se utilizem de inteligência artificial e criem tecnologias de reconhecimento facial. Afinal, os próprios termos de uso do aplicativo permite que o repasse dos dados coletados para outras empresas.
O problema não se encontra na disponibilização de um aplicativo de edição de fotos, mas sim, na falha sistêmica e generalizada de proteger a privacidade e os dados pessoais do usuário, na medida em que os termos de uso nas políticas de privacidade, como o caso FaceApp, são genéricos acerca da finalidade, do compartilhamento, controle dos dados por parte dos usuários.
Quando se fala em leis de proteção de dados pessoais, como existe no território nacional, uma das principais questões é que as organizações sejam cada vez mais transparentes acerca das informações que coletam, a fim de conquistar a confiança dos seus usuários. Em tempos de proteção de dados pessoais, transparência é palavra de ordem e de vantagem competitiva em relação ao concorrente.
O ponto de atenção é que mais de 150 milhões de pessoas já fizeram uso do FaceApp em troca da captura e uso de imagens de nossas faces e íris, o que torna possível a aplicação de tecnologia para identificar, posteriormente, quem é aquela pessoa que participou da diversão.
Contudo, o reconhecimento facial representa apenas a ponta do iceberg, na medida em que os dispositivos da Amazon-Alexa e Google-Home ouvem tudo o que você diz. Waze e Strava coletam dados de geolocalização. Enfim, os impactos à privacidade e aos dados pessoais são maximizados nesta nova economia globalizada baseada em dados (data-driven economy).
Portanto, é por meio de choques à privacidade e aos dados pessoais como esse da viralização do FaceApp que as pessoas passam a ter consciência dos modelos de negócios que não estejam em conformidade com as legislações de proteção de dados ou que não se importam com os dados dos seus usuários.
Lucas Colombera (lucas@gomesaltimari.com.br)
Advogado responsável pela área de Direito Digital e Proteção de Dados.
Este material foi elaborado para fins de informação e debate e não deve ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.