Após anos de discussões, um tema crucial da agenda climática teve enorme avanço no mês que passou. Durante a COP29 foi decidido um marco global para operacionalizar o mercado de carbono no âmbito do artigo 6 do Acordo de Paris (2015). Enquanto os debates ocorriam em Baku, no Azerbaijão, um projeto de lei regulamentando a comercialização dos créditos de carbono no Brasil foi aprovado no Congresso. A previsão é que cerca de 16% das emissões do país sejam abrangidas pelo novo sistema.
Indústria, governo e sociedade civil enxergam a regulação como oportunidade para as agendas ambiental e econômica andarem juntas – além de propiciar lucro para empresas que investem na descarbonização. Para ter sucesso, os setores envolvidos frisam que é importante muita discussão na fase de regulamentação da lei, critérios técnicos para definir a distribuição das cotas de permissão de emissão e verificação da captação de gases de efeito estufa (GEE), governança compartilhada e metas, ao mesmo tempo ambiciosas, mas que não prejudiquem a indústria.
O projeto de lei aguarda sanção presidencial. Pouco após as aprovações no Brasil e em Baku, a Aliança Brasil NBS (Soluções Baseadas na Natureza) firmou parceria de R$ 5,1 milhões com a ApexBrasil para democratizar o acesso ao mercado de carbono e incentivar projetos de captação e redução de GEE. “O artigo 6 estabelece diretrizes para o mercado global de carbono. No Brasil, com a criação de um sistema regulado, que se comunicará com o voluntário, já existente, o mercado se estrutura para ter caminhos para a descarbonização”, diz Janaína Dallan, presidente da Aliança Brasil NBS.
O Brasil concentra 15% do potencial global de captura de carbono por meios naturais (via conservação de florestas e replantio), com capacidade de atender 48,7% da demanda mundial, segundo a consultoria McKinsey.
Com a criação de um sistema regulado, mercado se estrutura para ter caminhos para a descarbonização” — Janaína Dallan
Por meio do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) haverá a negociação de Cotas Brasileiras de Emissão (CBEs) – permissão concedida pelo governo para cada empresa ou setor poluir – e Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs) – créditos acumulados por quem emitir menos do que o limite.
Cada cota ou CRVE representará uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2 e). Ao fim de períodos de compromisso, as empresas com atividades reguladas farão um levantamento das emissões líquidas. Quem ultrapassar a cota, que pode se tornar mais rígida com os anos, terá de comprar certificados para equilibrar as emissões. As empresas que ultrapassarem suas metas de redução poderão vender o excedente.
Na Europa, o preço médio do crédito é cerca de US$ 100. Projeção da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de 2023, indica um valor, no Brasil, de R$ 26,50 por tonelada de CO2. Os setores mais envolvidos com o SBCE serão papel e celulose, químico, construção, mineração, transporte e energia. As atividades primárias do setor agrário não serão reguladas.
As empresas que emitem mais de 25 mil toneladas de carbono equivalente entrarão no sistema regulado. Aquelas com emissões entre 10 mil e 25 mil toneladas deverão submeter ao órgão gestor do SBCE um plano de monitoramento das emissões e cumprir obrigações mais brandas.
“A regularização do mercado de carbono era uma demanda do setor industrial. A CNI enxerga o projeto de lei e os acordos de Baku como algo positivo, um incentivo econômico para as empresas investirem em tecnologia sustentável, fazendo com que o Brasil possa ter destaque na transição energética global”, diz Davi Bomtempo, superintendente de meio ambiente e sustentabilidade da CNI.
Para a entidade, é vital que o sistema brasileiro tenha a colaboração dos setores regulados, com uma estrutura de governança participativa e deliberativa. Segundo Dallan, da Aliança Brasil NBS, é importante que o comércio regulado seja baseado em critérios técnicos, com metodologias claras de verificação.
Para a presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, o mercado tem potencial para ajudar o Brasil a atingir as metas de redução de carbono estipuladas em sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), compromisso que os países assumem para reduzir as emissões de GEE e mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
A especialista ressalta que abarcar 16% das emissões brasileiras é um número robusto, abrangendo boa parte das emissões que não ocorrem à margem da lei. “Formalizado em lei, o mercado fica mais seguro. Avançamos, mas o sistema de crédito de carbono não é uma bala de prata”, diz Unterstell.
Gustavo Souza, diretor sênior de policy para Américas da Conservação Internacional (CI), diz que o Brasil não pode deixar de combater práticas ilegais com medidas fortes de comando e controle. “Os mercados podem ajudar nas estratégias de combate ao desmatamento, mas serão insuficientes, uma vez que cerca de 90% do desmatamento no Brasil é ilegal.”