O Airbnb é uma plataforma digital, em funcionamento desde 2008, onde milhões de anfitriões, como são chamados pela empresa, cadastram-se para anunciar suas acomodações a viajantes em vários lugares do mundo, ou seja, trata-se de um sistema de reserva de imóveis por meio de uma plataforma digital. Na plataforma, ainda existe a possibilidade de tornar-se um anfitrião de experiências, guiando turismo, oferecendo serviços de fotografia no destino e afins.[1]
Em 20 de abril desse ano, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria dos votos, que condomínios residenciais têm a liberdade de impedir a locação de imóveis através de plataformas digitais, como o Airbnb. A justificativa se deu no sentido de que a locação por meio da plataforma concebe uma atividade comercial e de hospedagem, uma vez que, no caso concreto, a convenção do condomínio delimita que os apartamentos só podem ser aproveitados para fins residenciais.[2]
De acordo com o julgamento, esse tipo de contrato trata-se de um contrato “atípico” de hospedagem, diferente da locação típica e por temporada (Lei 8.545/1991), esta destinada à residência temporária por tempo não superior a 90 (noventa) dias, porém sem previsão de oferta de imóveis com alta rotatividade, nem divisão de uma mesma unidade entre pessoas sem vínculo, como no caso em comento. Além disso, é igualmente distinto da hotelaria, detentora também de regulamentação especial (Lei 11.771/2008), haja vista a deficiência de estrutura e profissionalismo.[3]
Contudo, é de suma importância destacar dois pontos do julgado: inicialmente, os ministros do STJ elucidaram durante o debate do tema que a decisão é alusiva ao caso específico que foi objeto do julgamento, não representando um obstáculo ao padrão de negócios do Airbnb, considerada uma atividade lícita, desde que exercida nos termos da legislação. Em segundo lugar, o aspecto mais relevante do caso concreto que culminou na decisão é que a anfitriã, neste episódio, transformou o imóvel em um hostel, ou seja, o locava para diferentes pessoas, sem vínculo entre si, que conviviam no ambiente ao mesmo tempo – o que não é uma prática comum dentro da plataforma, além de não ser indicada, de acordo com os advogados da empresa.[4]
Outra questão levantada durante a discussão foi que, entre as particularidades dessa hospedagem, além do apartamento ser liberado a diferentes indivíduos em breve espaço de tempo, existia o oferecimento de alguns serviços ao usuário, como o de lavanderia.
Todavia, atualmente, é possível notar que os reflexos de uma economia moderna como a locação de imóveis, condução e delivery através de aplicativos e plataformas digitais foram acolhidos por grande parte da coletividade. Apesar disso, não é o suficiente para discussões jurídicas, isso porque há uma manifesta necessidade de regulação do assunto pelo Poder Legislativo, para que este tipifique qual é a natureza real dos serviços oferecidos por aplicativos ou plataformas de intermediação. Assim, a necessidade de ter existido um pronunciamento judicial sobre o tema demonstra especialmente a inércia legislativa.[5]
Diante da lacuna da lei sobre o assunto, os ministros entenderam que o serviço oferecido pela plataforma Airbnb trata-se de uma atividade lícita, mas que não é como a locação ou hospedagem típica. Por essa razão, a prática poderá ser vedada pelos condomínios, através da convenção, quando o edifício for unicamente proposto ao caráter residencial, onde existe máxima preocupação com a segurança.
Cumpre observar que, no início da apreciação, o relator vencido posicionou-se contra a liberdade de os condomínios vedarem as locações pelas plataformas digitais. De acordo com o ministro, não se trata de hospedagem e, sim, de locação residencial por um curto período de tempo. Ademais, ainda ponderou que, se admitido que os condomínios possam proibir as locações temporárias, existiria transgressão ao direito de propriedade. Para garantir a segurança dos condôminos, segundo ele, existem outros meios, por exemplo, indicando na convenção que, à realização desses contratos, serão requeridos ficha cadastral do locador, antecedentes criminais, controle de portaria, limitação de pessoas por apartamento, entre outros. [6]
Conclui-se, portanto, que a decisão da 4ª Turma do STJ não tem aplicação automática, porém, certamente será utilizada como parâmetro no julgamento de casos análogos, o que reforça a teoria de necessidade de regulação do assunto pelo Poder Legislativo.
[1] AIRBNB. “O que é o Airbnb e como ele funciona?”. Disponível em: https://www.airbnb.com.br/help/article/2503/o-que-%C3%A9-o-airbnb-e-como-ele-funciona. Acesso em: 26.04.2021.
[2] LEORATTI, Alexandre. STJ decide que condomínio pode proibir locações via Airbnb. Disponível em: https://www.jota.info/justica/stj-airbnb-condominio-20042021. Acesso em: 26.04.2021.
[3] Superior Tribunal de Justiça. Condomínios residenciais podem impedir uso de imóveis para locação pelo Airbnb, decide Quarta Turma. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/20042021-Condominios-residenciais-podem-impedir-uso-de-imoveis-para-locacao-pelo-Airbnb–decide-Quarta-Turma.aspx. Acesso em: 26.04.2021.
[4] LEORATTI, Alexandre. STJ decide que condomínio pode proibir locações via Airbnb. Disponível em: https://www.jota.info/justica/stj-airbnb-condominio-20042021. Acesso em: 26.04.2021.
[5] Revista Consultor Jurídico. Decisão do STJ sobre Airbnb ainda não é definitiva, dizem advogados. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-25/filareto-decisao-airbnb-depende-regulacao-legislador. Acesso em: 26.04.2021.
[6] FILARETO, Juliana. Decisão do STJ sobre Airbnb depende de regulação pelo legislador. Disponívem em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-25/filareto-decisao-airbnb-depende-regulacao-legislador#:~:text=Decis%C3%A3o%20do%20STJ%20sobre%20Airbnb%20depende%20de%20regula%C3%A7%C3%A3o%20pelo%20legislador&text=A%204%C2%AA%20Turma%20do%20Superior,de%20hospedagem%2C%20como%20o%20Airbnb. Acesso em: 26.04.2021.
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Carla Soares (carla.soares@gomesaltimari.com.br)
Carolina Monteiro (carolina@gomesaltimari.com.br)