Embora ainda provoque desconfianças entre os consumidores, a “Black Friday”, nascida nos Estados Unidos oficialmente na década de 1990, passou a ser adotada no Brasil em 2010, com a finalidade de reverter prejuízos acumulados durante o ano pelos empreendimentos, especialmente pelos lojistas.[1]
Conforme apontam os autores Apfelbaum e Taylor-Blake[2], o termo “Black Friday” foi utilizado pela primeira vez nos anos 60, na Filadélfia, pela polícia da cidade que assim intitulava a data após o feriado de Ação de Graças, quando muitas pessoas saíam de suas casas, causando lentidão e abarrotamento no trânsito, a fim de assistirem o desfile do Papai Noel, inaugurando a época das compras natalinas.
Em seguida, até aproximadamente 1980, o termo permanecia limitado à questão da aglomeração de pessoas e foi utilizado por muito tempo para referir-se aos declives do mercado econômico. Todavia, dos anos 90 em diante, foi atribuída uma nova acepção à expressão que passou a significar aos varejistas uma oportunidade de “saírem do vermelho”, ou seja, do prejuízo, para alcançar o “preto”, que, para os americanos, implica em recuperar-se financeiramente. No entanto, para os brasileiros, a cor azul teria mais sentido: “estar no azul”, mas ocorre que a tentativa de modificar o nome não caiu no uso popular, sendo mantido, então, o nome original.
Posto isso, se habitualmente essa data já é importante, causando grande agitação no mercado, nesse ano (2020), a expectativa é ainda maior, já que há muito mais prejuízo a ser compensado, tendo em vista o grande recesso causado pela pandemia.
Confirmando as expectativas, um estudo da empresa americana AppsFlyer[3] estima que a Black Friday de 2020 deverá ser a maior já vista, notadamente no Brasil, onde os downloads de aplicativos de compras dobraram durante a temporada de quarentena, sugerindo sucesso às varejistas na sexta-feira negra desse ano.[4]
A edição da Black Friday desse ano acontecerá em 27 de novembro e, diferentemente de edições passadas, o tumulto das lojas abarrotadas não deverá ocorrer. Imagens de shoppings lotados, filas e aglomerações de pessoas levando sacolas de compras já foram tidas como sinônimos de sucesso na Black Friday, contudo, em 2020, esse alvoroço pode causar o sentimento contrário. Isso porque, fundamentalmente, existem protocolos de controle contra a pandemia que estabelecem a necessidade do distanciamento social e, além disso, como mencionado, o comportamento dos consumidores transformou-se, com mais indivíduos habituados ao chamado “novo normal” realizando compras através internet, devido ao isolamento social.[5]
No entanto, embora se perceba a força do comércio on-line atualmente, as lojas físicas estão igualmente esperançosas para o final de semana de ofertas. Uma análise da Criteo, que abrangeu 13 mil consumidores ao redor do mundo, mostrou que 27% deles se sentem seguros para voltar aos shoppings. Além disso, é preciso compreender que a inclusão digital está longe de ser uma realidade universal, de modo que ainda há grande parte dos consumidores que prefere adquirir um produto ou serviço pessoalmente.[6]
Enfim, mesmo com o aumento do desemprego e todos os impactos da pandemia, segundo pesquisa de intenção de compras realizada pela Méliuz, os consumidores estão animados às ofertas, já que é a oportunidade de garantir produtos com economia.[7] Sendo assim, aguarda-se um grande movimento na data e, para isso, os fornecedores devem estar preparados em todos os aspectos, sobretudo juridicamente, ainda mais em tempos tão delicados.
Diante de tudo isso, destacamos algumas dicas primordiais especificamente aos empresários-fornecedores, para que passem por essa data auferindo apenas lucros, sem sofrerem prejuízos e sem serem alvos de possível ação consumerista.
- Direito de Arrependimento: Com aumento das compras através da internet, os fornecedores devem ficar atentos ao chamado Direito de Arrependimento, garantido pelo Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 49. Em razão dele, o consumidor que adquire um produto através da Internet ou telefone, inclusive durante a Black Friday, tem o prazo de 07 (sete) dias, a partir da entrega, para arrepender-se da aquisição, com a possibilidade de devolver a mercadoria sem qualquer ônus. Por óbvio, para que o consumidor possa utilizar-se dessa garantia, o produto não poderá apresentar uso.
Já nas lojas físicas, não existe essa possibilidade, a menos que o produto apresente vício ou defeito. Mesmo assim, é interessante que o fornecedor deixe cristalino ao seu consumidor que não aceitará trocas ou devoluções sem motivo justificável, a fim de evitar qualquer prejuízo posteriormente.
- Garantia legal: Também, é importante que o fornecedor esteja ciente da garantia prevista pela legislação. O consumidor conta com, pelo menos, 30 (trinta) dias para reclamar de problemas aparentes em bens não duráveis, como alimentos, e 90 (noventa) dias para os bens duráveis, como roupas e celulares. Isso quer dizer que de nada adianta o fornecedor anunciar que não fará qualquer troca ou devolução, vez que é um direito do consumidor, em caso de vício ou defeito.
- Tudo pela “metade do dobro”: Uma prática conhecida no Brasil nessa data é a estratégia de oferecer produtos pela “metade do dobro”. Ou seja, dias antes da Black Friday, os fornecedores aumentam os preços dos produtos para ofertá-los, na verdade, pelo seu preço comum no dia da Black Friday, enganando os consumidores. Claramente, essa conduta está sujeita à punição pelo Serviço de Proteção ao Consumidor – PROCON, portanto, os fornecedores não devem adotar o método, resguardando, de tal modo, seus clientes.
- Cobrar preços diferentes em razão da forma de pagamento. Pode? De acordo com a Lei nº 13.455/2017, diferente do que muita gente acredita, os fornecedores podem cobrar valores distintos em função do prazo ou do instrumento de pagamento que será utilizado, mas com a condição de fique devidamente avisado, de modo claro e visível, ao consumidor.
- Preços e condições anunciadas: O fornecedor precisa se atentar aos valores e condições de preço e pagamento que anuncia, pois essas poderão ser exigidas na hora da compra. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 35, assegura que o consumidor tem o direito de adquirir a mercadoria exatamente pelo preço e condições divulgadas na mídia, anúncios ou outros meios de comunicação. Por isso, em lojas físicas, a etiqueta de preço deve estar atualizada e no local correto; já nas lojas virtuais, igualmente, é necessário ter muita atenção para que o preço do produto não oscile por erros em sistemas telemáticos e seja o mesmo anunciado até o momento em que o consumidor finaliza a compra.
- Prazo de entrega: Quando a compra do produto é realizada pela internet ou até mesmo em loja física, em casos que o consumidor não retira o produto na hora, é necessário que o fornecedor informe um prazo para a entrega. Nessa época, é comum que as lojas diminuam o prazo de entrega de seus produtos para conquistar mais compradores, mas é preciso ter em mente que esse prazo deve ser cumprido.
Havendo atraso na entrega e tratando-se de um produto essencial, como geladeira ou fogão, é possível que a empresa seja condenada a pagar uma indenização por danos morais ao seu cliente. Do mesmo modo, quando o produto é adquirido para presentear e chega depois da data prevista, também cabe indenização e, como bem se sabe, muitos aproveitam a Black Friday para garantir os presentes de Natal com um preço mais convidativo, por isso, vale o alerta.
- Cuidados com exageros: É normal que a ansiedade para vender incentive decisões erradas, ainda mais nesse ano tão difícil aos fornecedores, mas isso poderá gerar prejuízos à saúde financeira do negócio.
Para concluir, tendo em vista o descrédito da data em razão das repetidas práticas abusivas dos fornecedores, passou a existir o selo “Black Friday Legal”, com a finalidade de afiançar a credibilidade das lojas virtuais participantes e criar um espaço de confiança no e-commerce durante a temporada de ofertas.[8]
Ademais, o selo “Black Friday Legal” é conferido pela Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico e identifica as empresas que seguirão o Código de Ética da iniciativa e que foram aprovadas pela entidade. Para auferir o selo, a loja virtual deve ser associada à “camara-e.net” ou ao “Movimento e-MPE”. Aos estabelecimentos comerciais físicos, ainda não existe selo equivalente. Por fim, face ao exposto, esperamos que, com essas dicas, todos possam fazer bons negócios na Black Friday.
[1] CONHEÇA A ORIGEM DA BLACK FRIDAY E QUANDO COMEÇOU NO BRASIL. Veja, 23 de nov. de 2017. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/economia/entenda-a-origem-da-black-friday-e-quanto-a-data-deve-movimentar/>. Acesso em: 05 de nov. 2020.
[2] APFELBAUN, M. L. Philadelphia’s Black Friday. American Philatelist, v. 69, n. 4, p. 239, 1966.
TAYLOR-BLAKE, B. “Black Friday” (day after Thanksgiving), 2008. Disponível em: <http://listserv.linguistlist.org/pipermail/ads-l/2008-April/081311.html>.
[3] FRID, Igal e ROSENFELDER, Shani. THE STATE OF SHOPPING APP MARKETING – EDIÇÃO 2020. AppsFlyer, Disponível em: <https://infogram.com/pt-copy-final-locked-state-of-shopping-2020-1h0n25eznwdl2pe>. Acesso em: 05 de nov. de 2020.
[4] VITORIO, Tamires. Black Friday de 2020 deve ser a maior de todos os tempos. Exame, 17 de set. de 2020. Disponível em: <https://exame.com/tecnologia/black-friday-de-2020-deve-ser-a-maior-de-todos-os-tempos/>. Acesso em: 05 de nov. de 2020.
[5] BLACK FRIDAY BRASIL: EM MEIO À PANDEMIA, COMO SERÁ ESTE ANO?. Estado de Minas, 08 de out. de 2020. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2020/10/08/internas_economia,1192483/black-friday-brasil-em-meio-a-pandemia-como-sera-este-ano.shtml >. Acesso em: 05 de nov. 2020.
[6] SCHNAIDER, Amanda. 80% dos brasileiros farão compras online na Black Friday. Meio & Mensagem, 08 de out. de 2020. Disponível em: < https://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/2020/10/08/80-dos-brasileiros-continuarao-comprando-online-na-black-friday.html>. Acesso em: 05 de nov. de 2020.
[7] ORNELAS, Poliana. Meliuz blog, 28 de set. de 2020. Disponível em: < https://www.meliuz.com.br/blog/pesquisa-black-friday-2020/>. Acesso em: 05 de nov. de 2020.
[8] PORTES ROCHA MARTINS, Silvia. Aspectos jurídicos relevantes da Black Friday: aplicação do Código de Defesa do Consumidor, incidência do princípio da boa-fé objetiva e cautelas necessárias. Migalhas, 22 de nov. de 2017. Disponível em: < https://migalhas.uol.com.br/depeso/269611/aspectos-juridicos-relevantes-da-black-friday–aplicacao-do-codigo-de-defesa-do-consumidor–incidencia-do-principio-da-boa-fe-objetiva-e-cautelas-necessarias >. Acesso em: 05 de nov. de 2020.
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