Observando o cenário brasileiro atual, o Direito Digital é uma seara ainda pouco explorada no Brasil, visto ser uma área nova que regulariza demandas oriundas de conflitos relacionados ao mundo digital e seus desdobramentos, sendo uma de suas problemáticas o tema da “Herança Digital”, pouco discutida e personificada no mundo jurídico.
A temática “Herança Digital” surge mediante os avanços e transformações do mundo tecnológico. O que antes era físico, como uma foto, disco de música, documentos, dentre outros bens de valor econômico, se tornaram digitais, ou seja, todo o acervo deixado pelo falecido como senhas, contas da internet, redes sociais, milhas aéreas e quaisquer outros bens e serviços materializados virtualmente de titularidade do de cujos passaram a ser digitais.
Dessa forma, observando a maneira tradicional do direito sucessório, o qual visa à administração de um conjunto de normas específicas que tratam das regras referentes à transmissão patrimonial de uma pessoa, devido ao evento morte, passa a ser necessária a existência de normas mais claras e adequadas no sentido de como suceder esses tangíveis virtuais e o que fazer com as “informações” digitais criadas na rede mundial de computadores.
Quando físico, bastava o sucessor pegar e decidir o que faria o patrimônio, mas no mundo digital, como funciona? Na atualidade, nossa legislação não possui normas diretas e aplicadas para a transmissão dos bens digitais, bem como doutrinas que ilustrem esse tipo de situação.
Existem países que já estão preparados para situações como estas. Como é o caso de grande parte dos membros da União Europeia, onde encontram-se disposições acerca da possibilidade de os herdeiros contatarem o encarregado pelos dados pessoais do falecido para exercerem direitos inerentes a esses (Espanha), bem como sobre o direito dos herdeiros em gerir e liquidar os ativos digitais e acessar as informações do de cujus dispostas virtualmente (França) e, quando ausentes as normativas, vê-se a atuação provocada do judiciário para decidir sobre casos concretos que envolvem a celeuma (Alemanha).
Nos Estados Unidos, o Uniform Fiduciary Access to Digital Assets Act – UFADAA garante que, mesmo após o falecimento do titular, os ativos virtuais podem ser administrados pelos herdeiros, sendo permitido o acesso para gerenciar arquivos digitais, domínios na internet, moedas digitais, entre outros. Porém, para o herdeiro ter acesso às comunicações eletrônicas, ao contrário do que preveem algumas legislações europeias, a norma exige a autorização prévia do titular.
Atualmente, no Brasil, é necessária uma discussão mais profunda sobre o tema, tendo em vista que há posições controversas diante do assunto. Existe uma parte da doutrina que defende que o conteúdo digital não deve ser transferido aos herdeiros, levando em consideração a intimidade e privacidade do falecido, sendo tal pensamento seguido por alguns Tribunais pátrios.
Todavia, está em processo no Senado Federal o projeto de lei 6.468/19², o qual visa incluir o parágrafo único no artigo 1.788 do Código Civil, com a seguinte redação:
Parágrafo único. Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança.
Caso o projeto seja aprovado, o Brasil estará mais preparado, apto e alinhado com a temática da Herança Digital, o que irá facilitar e permitir o saudável trâmite em diversas sucessões.
Não obstante a carência regulatória específica, o Código Civil Brasileiro prevê sobre a possibilidade da elaboração de um testamento, onde é permitida a inclusão de disposições sobre gerenciamento de tangíveis digitais ou até mesmo informações sem caráter patrimonial, permissão esta que se figura como plena no exercício das últimas vontade do de cujus e que podem ser registradas inclusive de forma virtual, quando ainda em vida.
De outra ponta, o fenômeno na autorregulação tem se mostrado eficiente ou ao menos útil quando se trata de Herança Digital em alguns aspectos. Como exemplo, podemos citar algumas redes sociais, como o Facebook que oferece opção de transformar o perfil em memorial na linha do tempo ou de excluir o conteúdo após comprovação da morte por um representante indicado previamente para tanto ou, ainda, o Instagram que, por sua vez, autoriza a retirada da conta com o preenchimento de um formulário on-line por algum familiar.
Nesse contexto, enquanto ainda não se concluem os pensamentos e a elaboração de uma legislação aplicada, para que não ocorram imprevistos após o falecimento do indivíduo, é necessário adotar alguns cuidados que como, por exemplo, a inclusão dos seus bens digitais na herança com a elaboração de um testamento, em que se determine sua vontade e destine tais bens para que um herdeiro administre seu “espólio digital”.
E, levando em consideração a baixa maturidade da temática no Brasil, inclusive pelos cartórios de registros, recomenda-se que as disposições testamentárias sejam indicadas sob a consulta e orientação de um profissional com adequado e com expertise no assunto.
Referências:
https://www.migalhas.com.br/depeso/329849/a-aceitacao-da-heranca-digital-no-brasil-e-no-mundo