Estar falido ou em recuperação judicial não é algo fácil para os empresários, já que o processo é lento, complexo e custoso, este último, por óbvio, considerado um dos maiores problemas das empresas que estão enfrentando dificuldades. Logo, visando aperfeiçoar o procedimento, a Lei nº 14.112/2020 alterou a Lei de Falências anterior e, consequentemente, trouxe algumas mudanças para o falido retornar ao mercado, entre as quais o instituto do Fresh Start.
Fresh Start significa “novo começo”, ou seja, uma nova chance às sociedades empresárias ou empresários individuais falidos ou em recuperação judicial. Entretanto, quando o assunto falência, falido ou procedimento falimentar é colocado à tona, qual é o primeiro pensamento que as pessoas têm?
A maioria, associaria os termos a significados negativos e imaginariam que o falido aplicou um “golpe”. Isso se deve a grande influência que a legislação empresarial sofreu do Código Francês de 1808, em que sua principal finalidade era a punição do devedor, assim a legislação trouxe consigo uma bagagem de preconceitos que refletiram nas ideias da sociedade, resultando na concepção de que a insolvência é um motivo de desonra ou até mesmo um crime.
Nas palavras do Dr. Gladston Mamede, “A insolvência, a incapacidade de adimplir as obrigações, é normalmente objeto de ampla repreensão social. Palavras como insolvente, falido, quebrado estão marcadas por um valor negativo, vexatório, intimamente ligado à ideia de caloteiro, criminoso, fraudador, desonesto, trapincola, entre outros.”
Evidentemente, existem ocorrências de empresários que chegaram à insolvência de forma insidiosa, todavia a condição pode suceder por diversos motivos. Como exemplo, a instabilidade econômica que acometeu o mundo durante a pandemia da Covid-19 e acarretou a “quebra” de diversas empresas que tiveram que encerrar suas atividades subitamente.
Além disso, a atividade empresarial pressupõe o risco do empreendimento não obter sucesso, ou seja, iniciar um novo empreendimento é uma aposta, sendo que o empresário pode apostar mensurando os riscos da atividade, contudo tal preparação não isenta-o das imprevisibilidades e de fatores alheios a sua vontade. Isso porque, o sucesso e desenvolvimento do negócio depende de uma série de fatores, por exemplo o mercado de atuação, os investimentos, dentre outros.
Dessa forma, ao cogitar a abertura de um novo empreendimento é necessário analisar profundamente todos os riscos visando gerenciá-los para minimizar prejuízos. Todavia, não são todos os empresários que possuem essa visão, e por não possuírem uma estratégia para superar a situação de crise, acabam na insolvência. Nesse ínterim, a Lei 14.112/20 trouxe consigo várias novidades (saiba mais) como supracitado, objetivando, principalmente o soerguimento das empresas, dentre as quais se destaca o instituto do Fresh Start.
O instituto Fresh Start tem origem norte-americana e foi baseado no Bankruptcy Code – Código de Falência – dos Estados Unidos da América. Sua proposta é acelerar o procedimento de recuperação do empresário falido e possibilitar sua volta ao mercado, desvinculando-o da falência anterior. Com essa finalidade, foram introduzidas um conjunto de novas regras na nova Lei, destacando o art. 10, § 10, e o art. 158, inciso V, que permitem a extinção das obrigações do falido em apenas 3 (três) anos após o proferimento da sentença que decreta a falência.
Art. 10, § 10. O credor deverá apresentar pedido de habilitação ou de reserva de crédito em, no máximo, 3 (três) anos, contados da data de publicação da sentença que decretar a falência, sob pena de decadência.
Art. 158, V. Extingue as obrigações do falido: V – O decurso do prazo de 3 (três) anos, contado da decretação da falência, ressalvada a utilização dos bens arrecadados anteriormente, que serão destinados à liquidação para a satisfação dos credores habilitados ou com pedido de reserva realizado.
Na Lei anterior, o prazo para a extinção das obrigações do falido em razão do decurso de tempo era de 5 (cinco) anos, contados do encerramento da falência e, apenas se o falido não fosse condenado por prática de crimes falimentares, no caso de condenação o prazo era de 10 (dez) anos, também contados do encerramento do processo.
As mudanças ocasionadas pela reforma são relevantes, tanto no tempo quanto na materialidade, posto que basta o falido requerer a aplicação do Fresh Start e comprovar o decurso do prazo de 3 (três) anos, contados da decretação da falência, para que todas suas responsabilidades sejam extintas, já na materialidade é notável que o novo dispositivo trouxe diversos benefícios para o falido retornar ao mercado, bem como, procura mudar a ideia negativa do procedimento falimentar.
Em outras palavras podemos afirmar que, não apenas a lei flexibilizou as demandas falimentares, como também possibilitou a celeridade processual no âmbito jurídico, bem como na esfera da própria empresa em situação recuperacional.
Entretanto, grandes juristas questionam se o modelo exportado do direito norte-americano será viável para o Brasil, considerando que são culturas e sistemas diferentes, enquanto um adota o Common Law o outro é Civil Law. Além disso, nos EUA o empresário falido não é vexado, já no Brasil existe uma visão preconceituosa, como supramencionado.
Sendo assim, um dos maiores desafios do legislador é lidar com a complexidade de instaurar um sistema falimentar equilibrado que privilegie o devedor honesto com o fresh start ao mesmo tempo que garante o pagamento dos credores, da economia e da subsistência da empresa, sem incentivar a prática de crimes falimentares.
Além disso, a imagem do falido no direito brasileiro foi construída não pela noção de preferência pela tomada de riscos, mas sim pelo sentido de que ele age de forma desonesta e oportunista.
Logo, são diferentes procedimentos até o retorno efetivo do empresário, porque um empresário falido ou recuperado precisa de capital novo para ter a oportunidade de abrir novos negócios e, como existe uma obscuridade sobre sua figura, tendo em vista que anteriormente causou prejuízos financeiros a terceiros, é improvável que ele recupere os créditos que antes possuía.
Com a ferramenta do Fresh Start, muitos empresários já utilizaram o benefício a fim de voltar a praticar atividade empresarial mediante a extinção de suas obrigações e os pedidos foram deferidos com o argumento de que “[..] A jurisprudência dos Tribunais compreendeu que vincular o início do prazo prescricional ao término do processo de falência representava submeter o falido a uma situação prática equivalente à imprescritibilidade dada a incerteza e a demora quanto ao fim do processo falimentar”. (Trecho extraído da sentença proferida pelo juiz de direito Dr. Daniel Carnio Costa, no processo sob nº 0042511-48.2016.8.26.0100, que tramitou na 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do TJ/SP).
Nesse sentido, e fundamentado nos tribunais também, dispunha Magalhães Noronha sobre a antiga lei de falências:
“É chocante pensar-se que um falido que cometeu o crime de gastos excessivos com sua família em relação ao seu cabedal (art. 186, nº I da Lei de Falências), e cujo processo se arrastou por vinte anos, possa ainda ser processado por este delito, ao passo que, se esse falido houver assassinado alguém, estará, no mesmo lapso, livre de punição”.
Sendo assim, o Fresh Start é uma ferramenta importante e que contribui para a recomposição da empresa no mercado como um todo, além de ser oportunidade jamais vista no direito brasileiro para o restart dos empresários afetados pelas consequências da falência, mas a mudança legislativa pode não ser muito efetiva, visto que além da aplicação das regras, elas precisam ser respeitadas pela população em geral.
Este material foi elaborado para fins de informação e debate e não deve ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
Carollyne Bueno Mollina – carollyne@gomesaltimari.com.br
Thalita Silva Gabriel Araujo – thalita@gomesaltimari.com.br
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