O Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu, nesta quinta-feira (21), que a contratação de trabalhadores brasileiros para desenvolver atividades a bordo de navios estrangeiros em percursos em águas nacionais e internacionais deve seguir a legislação do Brasil, naquilo que for mais favorável. A decisão é da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), órgão responsável pela uniformização da jurisprudência das turmas do TST.
Em sua composição plena, o órgão julgou oito processos envolvendo o tema, que vinha sendo objeto de entendimentos divergentes entre as turmas da Corte. Prevaleceu no julgamento o voto do ministro Cláudio Brandão, relator de um dos casos.
Segundo o ministro, a chamada “Lei do Pavilhão” – segundo a qual a legislação aplicável é a do país da bandeira da embarcação – tem sido relativizada, principalmente nos casos de “bandeiras de conveniência ou de aluguel”. Nessa prática, a empresa armadora ou proprietária registra a embarcação em outro país, a fim de se submeter a leis e controles mais brandos.
“As consequências são gravíssimas e de diversas ordens, sobretudo no que tange à violação de direitos humanos e da dignidade dos trabalhadores”, afirmou.
Ele lembrou que a questão não é nova: num caso julgado em 1964, o TST já tratava da possibilidade de atribuição de bandeiras de países sem tradição em navegação a fim de burlar a aplicação da lei mais protetiva. “Esse cenário permanece atual”, ressaltou.
No caso relatado pelo ministro, as próprias empresas afirmaram que os navios em que o trabalhador havia prestado serviços usavam bandeira do Panamá, embora uma tenha sede na Suíça e a outra na República de Malta.
Segundo Brandão, o Panamá figura na lista de países associados a “bandeiras de conveniência” elaborada pela Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes (ITF), entidade sindical internacional.
Lei mais favorável
Nos casos julgados, o recrutamento ocorreu no Brasil. A Lei 7.064/1982, que trata de trabalhadores brasileiros contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, prevê a aplicação da lei brasileira quando for mais favorável que a legislação territorial. “Quando, no direito interno, houver norma mais benéfica, o direito internacional cede-lhe passagem”, afirmou o relator.
Essa orientação, segundo Brandão, está na Convenção 186 (Convenção sobre Trabalho Marítimo – CTM) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), incorporada ao direito brasileiro pelo Decreto 10.671/2021.
O ministro rejeitou a alegação de que a existência de trabalhadores num mesmo local submetidos a legislação diferentes geraria um caos na gestão das empresas. Nessa abordagem, segundo ele, a repercussão econômica se sobreporia ao respeito aos direitos dos trabalhadores. Ele citou como exemplo a construção civil, à qual se aplica a lei do trabalho no estrangeiro.
O voto do relator foi seguido pelas ministras Kátia Arruda, Delaíde Miranda Arantes e Maria Helena Mallmann e pelos ministros Augusto César, José Roberto Pimenta, Hugo Scheuermann, Alberto Balazeiro e Lelio Bentes Corrêa, presidente do TST.
Prolongamento do território
A corrente divergente foi liderada pelo ministro Aloysio Corrêa da Veiga, para quem, no caso de empregado contratado por empresa estrangeira para prestar serviço no exterior, incide a Lei do Pavilhão, prevista no Código de Bustamante (onvenção de Direito Internacional Privado de Havana, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 18.871/1929).
“A legislação brasileira não é aplicável ao trabalhador brasileiro contratado para trabalhar em navio de cruzeiro, devendo incidir ao caso a lei do local da prestação de serviço, uma vez que as embarcações são consideradas prolongamento de seu território”, afirmou o ministro, relator de seis dos oito processos julgados. Seu voto foi seguido pela ministra Dora Maria da Costa e pelos ministros Breno Medeiros, Alexandre Ramos e Evandro Valadão.
Fonte: VALOR ECONÔMICO