Dados cadastrais de clientes de bancos não são sigilosos, sensíveis ou sujeitos ao controle jurisdicional. Por causa da sua proteção mais branda, podem ser acessados pelo Ministério Público sem autorização judicial, desde que com o objetivo de promover investigações.
A conclusão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao recurso especial ajuizado pelo Itaú contra a pretensão de acessar tais dados pelo Ministério Público de Goiás.
O julgamento foi encerrado nesta quarta-feira (4/9), por 6 votos a 5. A discussão é antiga: o processo chegou ao STJ em 2021, foi afetado à Corte Especial em 2023 e precisou ter o julgamento reiniciado em 2024 por problemas de quórum.
O direito de obter dados cadastrais foi pleiteado pelo MP-GO por meio de uma ação civil pública. O órgão busca acesso livre a informações como número de conta corrente, nome completo, RG, CPF, telefone e endereço.
A autorização de obtenção foi dada pelas instâncias ordinárias e mantida pela Corte Especial. Venceu a posição da relatora, ministra Nancy Andrighi. O voto de desempate foi da ministra Maria Thereza de Assis Moura, que presidiu o julgamento.
Acesso concedido
De acordo com Andrighi, o MP-GO pode solicitar dados cadastrais às instituições financeiras porque eles não se submetem ao controle judicial imposto aos dados bancários.
Segundo a relatora, o pedido do parquet tem finalidade delimitada, com hipóteses legais específicas e a possibilidade de controle posterior por parte do Judiciário.
Além disso, a posição é embasada por entendimento do Supremo Tribunal Federal, que em 2021 afirmou que é constitucional a lei que autorizou órgãos estatais a obrigar as companhias telefônicas a fornecer dados de quem passa trotes aos serviços de atendimento a emergência.
A ministra ainda apontou que leis relacionadas aos crimes de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998) e organizações criminosas (Lei 12.850/2013) trazem previsão expressa para o tratamento de dados cadastrais, sendo o MP a autoridade competente para lidar com essas informações.
Para isso, basta que exista procedimento investigatório em curso e que o MP respeite propósitos legítimos, específicos e explícitos. Isso inclui evitar que tais informações sejam usadas posteriormente de maneira incompatível com as finalidades iniciais.
Votaram com ela os ministros Humberto Martins, Luis Felipe Salomão, Francisco Falcão, Herman Benjamin e Maria Thereza de Assis Moura.
Cheque em branco
Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Raul Araújo. Ele foi acompanhado por Ricardo Villas Bôas Cueva, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Sebastião Reis Júnior.
Para ele, o MP goiano busca um cheque em branco que lhe autorizaria a investigar quaisquer cidadãos a partir de dados fornecidos pelos bancos, sem permitir o devido controle judicial.
Em sua análise, a interpretação da vulneração do direito fundamental à proteção de dados deve ser restritiva. Se o MP-GO não trata na ação civil pública de um prévio processo administrativo fiscal específico, não há como saber para que tais informações seriam usadas.
“Estaríamos instituindo um Estado de índole policialesca. A autoridade policial e o MP poderiam se dirigir diretamente aos bancos, que estariam obrigados a fornecer dados sensíveis”, criticou o ministro.
Nesta quarta, em aditamento ao voto, ele acrescentou referência ao julgamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que vetou o acesso do MP a relatórios de inteligência financeira e dados da Receita Federal por encomenda.
Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, há no STF uma divergência de posição — diferentemente da 2ª Turma, a 1ª Turma decide que o MP pode solicitar esse acesso.