O processo de falência costuma se arrastar por mais de dez anos, entre a distribuição e o encerramento, e só recupera em média 6,1% da dívida, comparando o valor dos bens vendidos e o quadro de credores. Esses dados demonstram que há grande número de falências negativas e que o sistema apenas se retroalimenta, pois os valores arrecadados servem apenas para ressarcir as despesas com o processo.
As estimativas constam da pesquisa do Observatório da Insolvência, desenvolvida pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) em parceria com o Núcleo de Estudos de Processos de Insolvência (NEPI) da PUC-SP, que teve como objetivo principal obter uma visão empírica do processo de falência.
O observatório levantou dados estatísticos dos processos judiciais envolvendo empresas em crise no estado de São Paulo, buscando identificar gargalos e oportunidades para aprimorar a prestação jurisdicional. Foram coletados dados de 6.270 processos no total.
Os pesquisadores, então, analisaram a duração dos processos de acordo com fases específicas. O tempo mediano entre a distribuição e a decretação de falência, ou extinção do processo caso a falência não tenha sido decretada é de aproximadamente um ano e cinco meses.
O segundo tempo de interesse é o intervalo entre a decretação e a avaliação dos bens ou encerramento do processo, seja pela arrecadação de bens negativa ou acordo realizado pós decretação. O tempo médio entre a decretação de falência e a data do primeiro laudo de avaliação ou data de encerramento do processo observado é de cinco anos e três meses. Segundo o observatório, esse alto tempo se explica pela demora em se arrecadar os bens.
Seguindo as análises, a próxima informação de interesse é o tempo entre o primeiro laudo de avaliação e o primeiro leilão. O tempo mediano é de dez meses. O último tempo de interesse é o intervalo entre o último edital de leilão e o encerramento do processo. Dos 205 casos que têm algum leilão, somente 16 processos tiveram a falência encerrada. Por conta da pequena quantidade de observações, é difícil afirmar com precisão o tempo estimado desta etapa. Considerando os dados disponíveis, o tempo mediano dessa fase é de pelo menos mais cinco anos.
Baixa efetividade
Diretamente relacionada ao fator temporal está a taxa de recuperação da falência, ou seja, sua efetividade. A pesquisa não conseguiu identificar as taxas de recuperação por classe de credor. No entanto, as informações das vendas nos leilões são suficientes para a criação de taxas de recuperação. Foram calculadas duas taxas distintas: recuperação dos ativos e recuperação da dívida.
Se um processo apresentou arrecadação negativa de bens ou foi extinto por falta de pagamento de caução, a taxa de recuperação dos ativos do processo é zero. Se um processo possui algum leilão, considera-se a razão entre a soma dos valores arrematados, dividido pela soma dos valores de avaliação.
Nessa conta, são considerados apenas os casos que atendem a dois requisitos: se o mesmo item passou por mais de um leilão, considera-se apenas o leilão mais recente; e se o bem não é vendido no leilão mais recente, o valor de arremate e a taxa de recuperação do ativo é zero. A taxa de recuperação dos ativos é calculada como a média simples das taxas de recuperação dos ativos por processo.
Dessa forma, a conclusão da pesquisa é de que a taxa de recuperação de ativos é de 12,1%.
Já a taxa de recuperação da dívida compara o valor dos bens vendidos com o total da dívida. A média nesse caso foi de 6,1%.
Sob a ótica da liquidação de ativos, o fator tempo e demora na prestação jurisdicional é muito relevante, pois quanto maior a demora para o processo se desenrolar, maior é a depreciação dos bens.
Avaliações e leilões
Apesar da baixa quantidade de processos que chegam até a etapa de avaliação (25,5% dos casos que tiveram falência decretada e não foram extintos por falta de pagamento de caução), a quantidade de itens avaliados é significativa. No total, são 19.019 avaliações e 20.819 itens identificados até o momento.
Comparando os tipos de bem das avaliações, 98% dos bens avaliados são móveis, sendo o restante das avaliações relativos a bens imóveis e bens imateriais. Porém, transformando em valores, os imóveis representam 14% do total arrecadado. Em relação a quantidade efetiva de venda e o valor dos artigos vendidos, os imóveis correspondem a quase 59% do valor arrecadado nas falências.
A pesquisa revela ainda que aproximadamente 75% dos bens móveis apresentam valor abaixo de R$ 1,2 mil. Isso demonstra que o ativo da maioria das empresas, em relação aos bens móveis, não é proporcional ao valor das dívidas.
A proporção de itens que são efetivamente vendidos nos leilões é de 28,7%. Essa taxa, no entanto, considera todos os leilões realizados, e não os últimos leilões de cada item. Ou seja, se um item é leiloado duas vezes e vendido somente no segundo leilão, a primeira tentativa é computada. Considerando apenas o último leilão de cada item, dentro de cada processo, a proporção de vendas passa para 40,5%.
Os itens mais vendidos são veículos, enquanto os menos vendidos são carteiras de crédito, tanto se considerados todos as tentativas de venda ou apenas o último leilão do item. O tipo de bem com menor valor de arremate é o imaterial (4,7% do valor da avaliação), enquanto o que tem maior valor é a carteira de crédito (121,7%).
O observatório desenvolveu uma árvore de decisão que indica se um item será vendido de acordo com as suas características. O modelo considera como variáveis explicativas o tipo de leilão, a modalidade do leilão, o tipo de bem, o valor avaliado do item, o foro (capital ou interior) e o número de tentativa de venda.
Além de investigar a probabilidade de venda e a razão entre valor arrematado e avaliado, o estudo também avaliou o tempo até a venda dos itens. Os itens foram vendidos no primeiro leilão em 32,3% dos casos. Porém, nenhum tipo de bem apresenta proporção de vendas no primeiro leilão acima de 50%. Após três anos do primeiro leilão, a probabilidade de venda estabiliza, indicando que nenhum item será vendido após esse tempo.
Valores de pedidos e dívidas
O valor do pedido é extraído da petição inicial do processo, enquanto o valor da dívida é obtido por meio da lista de credores. Considerando somente os 5.292 pedidos originados de credores e que tiveram uma decisão de decretação de falência, seja ela positiva ou negativa, o valor mediano pedido é de R$ 83 mil. De acordo com a pesquisa, 83,5% dos casos apresentam valores menores de R$ 300 mil e apenas 5% dos casos apresentam valores acima de R$ 1 milhão.
Para analisar as dívidas, foram contabilizados apenas os casos com falência decretada. Apenas 24,2% dos casos apresentam dívidas de até R$ 300 mil, enquanto 53,4% dos casos apresentam dívidas maiores de R$ 1 milhão.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2022-abr-05/falencias-arrastam-10-anos-arrecadam-divida. Acesso em: 05/04/2022.