A indústria de fundos sustentáveis no Brasil começa a entrar em nova fase. Além da reclassificação de títulos e produtos, os gestores estão passando por uma reeducação para entender quais temas ligados ao ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) são relevantes para a composição de seus portfólios. O desafio é como precificar o risco desses ativos e a sua materialidade para um maior engajamento do mercado financeiro e de seus investidores.
Hoje, no Brasil, esses fundos, recentemente reclassificados pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) como investimento sustentável (IS) e relacionados, contabilizam patrimônio de cerca de R$ 20 bilhões, 0,2% do total da indústria de fundos, que é superior a R$ 9,1 trilhões. Na Europa, representam mais de 50%.
Os fundos ESG estão crescendo no Brasil, tanto em número quanto em volume – e vêm impulsionados pelas emissões de títulos de dívidas com esse selo. Os números da Anbima mostram que o país saiu de 45 produtos ESG em julho de 2022 para 194 em julho deste ano, sendo que sua captação líquida só em 2024 foi de R$ 3,4 bilhões. Mas há que fazer uma ressalva: como a classificação IS e relacionados é nova, de 2022, a evolução pode refletir apenas uma reacomodação de produtos já existentes, mas que estavam registrados em outra categoria, e não exclusivamente a criação de fundos do tipo.
“Eu acho que chegou a hora de o Brasil avançar nesta pauta. Mas, para mover esta agenda com mais força, precisamos do empenho da Faria Lima para entender a urgência do tema”, afirma Carlos Takahashi, presidente da Rede Anbima de Sustentabilidade. É na avenida Faria Lima, na cidade de São Paulo, que ficam as maiores gestoras de recursos do país. Outro desafio é ampliar o perfil do investidor, hoje mais restrito às novas gerações de family offices. Em países como o México, a regulação impõe aos investidores institucionais percentuais de aportes sustentáveis nos fundos de pensão.
As regras de autorregulação da Anbima criam parâmetros para análise de risco, escolha de ativos, acompanhamento e governança para os gestores. Os fundos IS têm objetivos com critérios e ativos efetivamente ESG – de empresas de energia renovável, por exemplo –, enquanto os fundos relacionados integram os aspectos ESG na gestão. “Os relacionados não são fundos ‘puro sangue’, mas investem em empresas que integram conceitos sustentáveis”, diz Takahashi.
As emissões de títulos de dívidas ESG têm acelerado e os agentes financeiros estimam que esse mercado vá continuar aquecido até o fim do ano. São 56 operações realizadas em 2024 até setembro, com R$ 83,5 bilhões captados, ante 42 emissões e R$ 37,2 bilhões no mesmo período de 2023. Desde o início da série histórica, em 2015, foram 450 operações, que captaram R$ 370,2 bilhões, entre emissões nos mercados doméstico e internacional, segundo levantamento feito pela ERM NINT. “Com base no nosso pipeline e na demanda interna, estimamos que as emissões ESG devem superar R$ 100 bilhões neste ano”, afirma Gustavo Pimentel, sócio da ERM NINT, empresa de consultoria e avaliação ESG, que representa 50% dos pareceres de relatórios emitidos no Brasil.
Ele considera que a segunda emissão soberana no governo federal no mercado internacional, de US$ 2 bilhões, deu um empurrão para o mercado. “Houve ainda a operação da Aegea, de R$ 3,5 bilhões, no Brasil, e várias emissões da Neoenergia. Esses são os setores clássicos, mas há ainda as emissões da Elea Digital, empresa de data centers, da ViaMobilidade, do metrô de São Paulo, e da Grão Alimentos, que trabalha com agricultura familiar”, conta Pimentel.
O principal fundo ESG de crédito privado em volume do Brasil é o Itaú Active Fix ESG, que bateu R$ 3 bilhões de patrimônio líquido e investe em 30 grupos de setores como educação, saúde, energia renovável, saneamento e crédito soberano. “Esse fundo pode ter títulos verdes ou de empresas que atuam em setores de impacto positivo para impulsionar a agenda de melhorias na área. Títulos com comprometimentos ou tradicionais”, diz Renato Eid, superintendente de estratégias indexadas e investimento responsável da Itaú Asset.
Ele salienta que todos os papéis têm que passar por uma análise rigorosa da asset. “Temos um time que faz integração ESG e que analisa as empresas sobre os aspectos ESG. Este é um IS dentro da Anbima”, observa Eid. Lançado em julho de 2021, o fundo rendeu neste ano, até setembro, 110,90% do CDI. Além deste, o Itaú possui outros sete fundos com temáticas ESG, sendo quatro ETFs (fundos de índices).
Diante dessa agenda, a fama re.capital, primeira gestora a ter um fundo ESG no país, vem diversificando. Além de seu tradicional Fundo FIC Fia, de 1993, que investe em 16 empresas consideradas “do bem”, como Klabin, Serena Energia, Porto Seguro e Drogasil, a fama re.capital lançou neste ano o Fundo LatAm Climate Turnaround FIA IS, que faz justamente o contrário e investe nas empresas mais poluentes da América Latina. “Temos um grupo de cientistas que elaboram plano de descarbonização para essas empresas e apresentamos projeto para que elas ganhem dinheiro com isso, mitigando os riscos climáticos”, conta o sócio Fabio Alperowitch. Serão cinco empresas, sendo que três (frigorífico, plantio de soja e banco) já estão com seus planos de ações climáticas. “Para mim, é uma mudança de paradigma gigantesca. O fundo está rodando no Brasil como piloto e vamos fazer a captação fora com investidores estrangeiros, fundações e family offices”, diz Alperowitch. Outro produto lançado há pouco mais de um ano é um fundo de recebíveis, que já possui cinco projetos financiados e 13 na fila – são projetos como os de agricultura familiar. “E não vamos parar por aí. Estamos lançando outros produtos de equidade de gênero para financiar empreendedoras mulheres.”
Já a JGP e a BB Asset, do Banco do Brasil, criaram em janeiro deste ano uma nova gestora especializada em ESG, a Régia Capital. Formadas pelos fundos ESG que a JGP já administra, as carteiras ESG da BB Asset (que somam quase R$ 1,2 bilhão) permanecem no BB. O plano é lançar produtos em diferentes segmentos. “O objetivo da parceria é se tornar o principal hub de investimentos sustentáveis global do hemisfério Sul. A gente já captou R$ 2,2 bilhões até julho com a rede do BB, que é poderosa”, afirma Guilherme Bragança, sócio da JGP. Ele conta que o BB tem meta de captar R$ 22 bilhões em fundos sustentáveis até 2030. “Este é um compromisso sério. Eles fazem a captação e a JGP faz a gestão dos fundos. Hoje, essa parceria tem R$ 3 bilhões sob gestão, diz Bragança.
O Bradesco vê demanda mais forte neste ano por crédito privado ESG do que disponibilidade de produto. “A gente começa a ver investidores institucionais com mandatos específicos sobre o tema”, afirma Rodrigo Santoro, head de renda variável da Bradesco Asset, que possui dez fundos classificados com o IS da Anbima. “A maioria já existia, e nós adaptamos ao regulamento para adequar à norma. São seis de renda variável, três de crédito e um fundo de fundo, que juntos somam R$ 770 milhões de patrimônio.”
Já o Pátria, um dos maiores gestores de investimentos alternativos da América Latina, acaba de lançar seu primeiro fundo de reflorestamento, que comprará terras em paisagens degradadas e restaurará florestas naturais plantando árvores nativas, além de desenvolver ecossistemas agrícolas simbióticos. Sua meta é levantar US$ 100 milhões em 15 anos e e devolver rendimentos de até 12% ao ano. “Reflorestamento é o ponto central do fundo, e vamos entrar em sistemas agroflorestais. Queremos restaurar entre 10 mil e 15 mil hectares. Se tivermos sucesso nesse fundo, vamos ampliar”, conta o sócio Pedro Faria.