O usufruto concedido a uma pessoa por testamento lavrado em escritura pública perante o tabelião de notas é suficiente para reconhecer o negócio jurídico como existente, válido e eficaz, mesmo que não registrado no cartório de registro de imóveis.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial de uma mulher, condenada a pagar aluguel pelo tempo de uso de dois imóveis que foram concedidos em usufruto por seu falecido pai à esposa dele.
Essa mulher, como herdeira e proprietária legal dos imóveis, é a nu-proprietária — aquela que é a dona dos bens, mas que não deveria ter a posse deles por conta do usufruto. Como no caso ela fez uso dos mesmos por anos, foi alvo de ação da usufrutuária pedindo pagamento de aluguel.
A nu-proprietária se recusou a pagar porque o usufruto concedido não foi registrado no cartório de imóveis, como requer o artigo 1.391 do Código Civil. No caso concreto, o usufruto foi concedido no testamento do proprietário original, lavrado em escritura pública.
O tema dividiu a 3ª Turma do STJ. As duas vertentes de voto entenderam que os alugueis deveriam ser pagos, mas por razões diferentes e ligadas à interpretação sobre o alcance da regra do artigo 1.391 do Código Civil.
A função do registro
Venceu o voto do relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, que foi acompanhado pelos ministros Moura Ribeiro e Humberto Martins. Para eles, o registro do usufruto em cartório cumpre a função de dar publicidade ao ato para terceiros.
Assim, esse registro apenas reconhece para todos uma situação jurídica que já existe entre as partes a partir do negócio jurídico que o instituiu. Logo, a validade do usufruto na relação entre nu-proprietário e usufrutuário não depende dessa formalidade.
“Na discussão envolvendo apenas a usufrutuária e a nua-proprietária, não há óbice para que a parte diretamente beneficiária do ato busque a proteção do seu direito em relação à outra”, concluiu o relator, que votou por negar provimento ao recurso especial.
Abriu a divergência de fundamentação a ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Para eles, não é possível afirmar que, antes do registro, o direito de usufruto sobre bem imóvel existiria tão somente entre nua-proprietária e usufrutuária.
No entanto, o caso tem uma excepcionalidade decisiva: o fato de o usufruto ter se dado por testamento. Isso faz com que o registro em cartório deixe de ser constitutivo e passe a ser meramente declaratório.
“Muito embora a regra geral seja a constituição do usufruto sobre imóveis por meio do registro, excepcionalmente, na hipótese de usufruto instituído mortis causa, o referido direito real limitado constitui-se no momento da abertura da sucessão”, concluiu a ministra Nancy. REsp 1.860.313
Fonte: CONJUR