A 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve, por unanimidade, a condenação de um motel de Cuiabá ao pagamento de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), por execução pública de obras musicais em seus quartos. A decisão reflete a aplicação direta da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9610/98) e reforça uma orientação já consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça quanto à caracterização de quartos de hospedagem como locais de frequência coletiva.
Segundo o processo, o estabelecimento disponibilizava televisores com canais por assinatura nos aposentos, sem qualquer contrato com o ECAD. O argumento defensivo de que os direitos autorais já estariam pagos por meio do serviço de TV foi rejeitado, tanto pela ausência de prova como pela inaplicabilidade jurídica do raciocínio.
A relatora, desembargadora Antônia Siqueira Gonçalves, destacou que “a disponibilização de equipamentos em quartos de motéis caracteriza execução pública de obras protegidas, autorizando a cobrança de direitos autorais pelo ECAD, mesmo em caso de contratação de TV por assinatura”.
O TJMT também acolheu o pedido do próprio ECAD para incluir na condenação as parcelas vincendas até a data da sentença, considerando a obrigação como de trato sucessivo, nos termos do artigo 323 do Código de Processo Civil. A medida amplia o valor final da condenação, já que se presume a continuidade da conduta infracional durante o trâmite do processo.
Essa jurisprudência local, embora baseada em elementos processuais específicos (inclusive a revelia da empresa), está plenamente alinhada ao que fixou o C. STJ no julgamento do Tema Repetitivo 1066, de observância obrigatória por todos os Tribunais do país.
Quartos de motel e execução pública: o que diz o STJ
No julgamento dos Recursos Especiais 1.870.771, 1.880.121 e 1.873.611, a 2ª Seção do C. STJ firmou entendimento claro sobre a incidência de direitos autorais em ambientes de hospedagem. Foram fixadas duas teses centrais:
1) A disponibilização de equipamentos em quartos de hotéis, motéis ou estabelecimentos similares para transmissão de obras musicais, literomusicais e audiovisuais permite a cobrança de direitos autorais pelo
ECAD.
2) A contratação de serviços de TV por assinatura por parte do estabelecimento não afasta essa obrigação, inexistindo bis in idem.
A Corte Superior reforçou que não é necessária a demonstração de finalidade lucrativa direta, tampouco distinção entre transmissão e retransmissão da obra. A simples oferta de música em local de uso coletivo — ainda que individualizado e temporário — caracteriza execução pública.
O que é o ECAD e por que ele pode cobrar?
O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição é uma entidade privada, sem fins lucrativos, responsável pela arrecadação e distribuição dos valores devidos a autores, intérpretes, músicos e demais titulares de direitos autorais no Brasil. Sua legitimidade decorre diretamente da Lei de Direitos Autorais, que lhe confere o papel de agente exclusivo na cobrança de execução pública de obras musicais.
O ECAD representa milhares de artistas por meio de associações de gestão coletiva e atua como elo entre quem cria música e quem a utiliza comercialmente. Sem esse repasse, compositores e intérpretes deixariam de ser remunerados pelo uso contínuo de suas criações.
Como o ECAD atua junto aos estabelecimentos?
A atuação do ECAD envolve a orientação de estabelecimentos comerciais sobre a necessidade de regularização, com visitas técnicas, esclarecimentos sobre a Lei nº 9610/98, cadastros e informações sobre a forma de cálculo e distribuição dos valores arrecadados. O objetivo não é apenas fiscalizatório, mas também educativo: trata-se de uma tentativa de conscientização sobre o valor do trabalho criativo.
Quem está obrigado a pagar direitos autorais? E como os valores são cobrados?
Além de motéis e hotéis, estão obrigados a recolher valores ao ECAD todos os espaços que utilizem música em caráter público, ainda que de forma acessória à atividade principal:
• Academias de ginástica
• Bares, cafés, restaurantes e salões de beleza
• Lojas e shoppings
• Cinemas, emissoras de rádio e TV
• Eventos públicos ou privados
• Prefeituras, clubes, igrejas e até festas particulares com contratação de som profissional
O valor cobrado pelo ECAD não depende do tipo de estabelecimento, mas sim de fatores objetivos, como:
• Área sonorizada
• Ramo de atividade
• Forma de execução da música (ao vivo, mecânica, rádio, streaming, etc.)
O cálculo segue critérios definidos no Regulamento de Arrecadação, disponível para consulta no site do próprio ECAD.
Mesmo com rádio, TV ou streaming? Sim, o pagamento é devido
A dúvida mais comum entre empresários é se a utilização de plataformas digitais ou de TV por assinatura afasta a obrigação de pagar direitos autorais. A resposta é não.
Segundo a Lei de Direitos Autorais, as modalidades de uso são independentes. Isso significa que, mesmo que a plataforma já tenha pago os direitos pela exibição do conteúdo, o estabelecimento que retransmite essa música ao público deve realizar o pagamento específico pela execução pública.
Sobre o caso do TJMT?
O caso julgado pelo TJMT exemplifica como o uso de música em ambientes comerciais, ainda que indireto, pode gerar repercussões jurídicas relevantes. Para o setor de hospedagem, o alerta é claro: a disponibilização de conteúdos musicais em quartos não é neutra do ponto de vista legal.
A regularização junto ao ECAD deve ser vista como uma medida preventiva de compliance, e não como mera formalidade. Afinal, mais do que respeitar a lei, trata-se de valorizar a criação artística e proteger o investimento de quem vive da música.
Alertamos que este material foi elaborado para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. Os advogados do Gomes Altimari Advogados estão à disposição para oferecer esclarecimentos adicionais sobre o tema.
José Luís Mazuquelli Junior – jose.mazuquelli@gomesaltimari.com.br