A comissão de juristas responsável pela atualização do Código Civil, no Senado Federal, aprovou nesta segunda-feira, 1º, o relatório prévio para a inclusão do Direito Digital na lei. Há consenso construído para o mérito, e restam apenas expectativas de ajustes de redação até a conclusão dos trabalhos.
Uma das principais mudanças propostas pelo colegiado é a revogação do Artigo 19 do Marco Civil da Internet, para permitir que as plataformas digitais sejam responsabilizadas administrativamente e civilmente, na reparação dos danos causados por conteúdos gerados por terceiros cuja distribuição tenha sido realizada por meio de publicidade de plataforma, ou quando houver descumprimento sistemático das obrigações previstas na lei, conforme regulamento específico a ser editado.
Na regra atual, a empresa (provedores de aplicações de internet) só pode ser punida se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.
10 capítulos
Por recomendação do presidente da comissão, o ministro Luis Felipe Salomão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o colegiado – por meio de subcomissão temática – propôs a inclusão de um novo livro no Código Civil, chamado de Direito Digital Civil. Ao todo, serão dez capítulos:
Disposições gerais: que prevê fundamentos e princípios (como liberdade de expressão e de informação, livre iniciativa, livre concorrência e inclusão social), além da definição de plataformas digitais de grande alcance com base no número de usuários (a partir de 10 milhões), a serem submetidas a obrigações perante os direitos fundamentais;
Pessoa no ambiente digital: que aborda a proteção de dados e os direitos de personalidade e intimidade;
Situações jurídicas no ambiente digital: que deixa expresso que o ambiente digital está sujeito às leis e normas brasileiras como um todo;
Ambiente digital transparente e seguro: que, entre outros pontos, exige das plataformas digitais a demonstração da adoção de medidas de diligência para mitigar e prevenir a circulação de conteúdo ilícito e atuar para atenuar os riscos sistêmicos (no sentido de evitar a violação de direitos fundamentais e dos processos eleitorais; saiba mais neste link).
Patrimônio Digital: citando os ativos intangíveis e imateriais neste rol (como dados financeiros, senhas, contas de mídia social, ativos de criptomoedas, tokens não fungíveis ou similares, milhagens aéreas, contas de games e jogos cibernéticos, conteúdos digitais como fotos, vídeos, textos, ou quaisquer outros ativos digitais, armazenados em ambiente virtual);
Crianças e adolescentes no ambiente digital: exigindo medidas que visam garantir a proteção integral dos menores, desde o design ao acesso, controle parental e conteúdo;
Inteligência Artificial: determinando expressamente que o uso deve respeitar os direitos fundamentais e de personalidade e delimita regras acerca da geração de imagem que simulam pessoas vivas ou falecidas (saiba mais neste link);
Celebração de contratos por meio digital: que dispõe sobre garantias para todo acordo de vontades celebrado em ambiente digital (saiba mais aqui);
Assinaturas eletrônicas: estabelecendo a validade do aval digital, mas destacando, entre outros pontos, que a “assinatura, por si só, não constitui prova da capacidade ou da ausência de vícios na manifestação de vontade, o que pode ser demonstrado por qualquer interessado”;
E-notariado: que complementa o disposto sobre as assinaturas eletrônicas, com o conceito do que são as assinaturas notarizadas ou não e o certificado digital.
Votação
As sugestões são resultado de audiências e consultas públicas ao longo do ano passado, além da consolidação de estudos técnicos. A subcomissão responsável pelas propostas na temática do Direito Digital foi composta por Laura Contrera Porto, Dierle José Coelho Nunes e Ricardo Campos. O texto preliminar foi apresentado em dezembro, e acatado no relatório geral em fevereiro.
O cronograma foi estabelecido pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que espera a conclusão dos trabalhos da comissão neste mês de abril. Dessa forma, o colegiado realiza esforço concentrado para a votação nesta semana, iniciando pelos temas de maior consenso – Direito Digital foi um deles.
A votação ocorreu de forma simbólica, sem contagem nominal, mas com observações importantes sobre pontos que vão centralizar a atenção do colegiado sobre o tema do Direito Digital nesta reta final dos trabalhos.
A ex-secretária de Direitos Digitais, Estela Aranha, que compõe a comissão de juristas em outro grupo – de Parte Geral –, afirmou durante a sessão que vai propor ajustes de redação no texto. Ela elogiou o resultado do trabalho elaborado pela subcomissão de juristas, acrescentando que o novo Código Civil deve “responder quais são os direitos e quais são as garantias substantivas que podem ser afetados nessa nova realidade, e que precisam ser codificados para evitar consequências injustas e para evitar que esses bens jurídicos fiquem desprotegidos”.
Estela Aranha também defendeu o “cuidado para não regular tecnologias específicas em si”, a valorização do ordenamento que já existe e poderia ser aplicado e também manifestou preocupação com “o nível de detalhamento em uma legislação codificada, com o risco da rápida obsolescência frente ao desenvolvimento tecnológico”.
Outra questão a ser mais debatida nos próximos dias, por sugestão da subcomissão de Direito Digital, é o conceito de personalidade digital, que precisará estar alinhado entre os livros de Direito Digital e Parte Geral.
Pós-votação
Membro da subcomissão temática de Direito Digital, o professor Dierle Nunes destacou que o colegiado está fazendo uma etapa “inaugural para um trabalho parlamentar muito mais árduo que se segue”. Neste sentido ressaltou a importância do Legislativo manter as inovações propostas pelos juristas ao Código Civil.
“Essa virada tecnológica se tornou um eixo transversal para compreensão do sistema jurídico como um todo. Daí a importância de se pensar nesse livro do Direito Digital, que é um consenso entre nós, mas que merecerá também se tornar um consenso durante a tramitação no Parlamento. Sem esse debate, talvez vários dos avanços que nós potencialmente poderíamos gerar não vão lograr êxito na medida em que nós não estamos falando mais de uma compilação de normas de direito digital, nós estaríamos fazendo um verdadeiro manifesto de como o Brasil percebe e se posiciona na revolução digital”, afirmou Dierle Nunes.
No mesmo sentido, o presidente da comissão, ministro Salomão, sinalizou que o trabalho dos juristas não deve acabar com a apresentação do anteprojeto.
“Não basta só produzir o melhor texto é preciso convencer que o melhor texto é esse para atualizar esse cenário”, disse o presidente do colegiado de juristas.
“A partir da entrega do texto ao Senado Federal, e na medida que ele for tramitar no Senado Federal, nós vamos estar em contato, acompanhando a tramitação, fazendo reuniões com bancadas, com o governo e com setores da vida privada. É um código civil, então nós temos que avançar nesse processo de convencimento”, complementou Salomão.