Condomínios ganharam uma primeira decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para conseguir penhorar e levar a leilão imóveis com dívidas pendentes, mesmo que estejam financiados por meio de contratos de alienação fiduciária. Os ministros da 4ª Turma mudaram seu posicionamento, em julgamento na terça-feira, e decidiram de forma contrária à jurisprudência consolidada há anos a favor dos bancos.
A alienação fiduciária é a modalidade de garantia mais utilizada em financiamentos imobiliários. O contrato é garantido pelo próprio bem que está sendo financiado e se o cliente não quitar o que deve o banco pode tomá-lo.
A decisão foi por maioria de votos. O relator, ministro Marco Buzzi, ficou vencido. Eles entenderam que, por uma questão social, o imóvel pode ser leiloado, já que a inadimplência prejudica outros moradores. Além disso, levaram em consideração que esse tipo de dívida tem natureza “propter rem” – ou seja, está atrelada ao imóvel, independentemente de quem seja o dono.
O julgamento da 4ª Turma se alinha ao entendimento adotado por alguns Tribunais de Justiça, como os de São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso do Sul.
A 4ª Turma analisou recurso do Condomínio Residencial Australis Easy Club, de Joinville (SC), contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Os desembargadores entenderam pela impossibilidade da penhora pelo fato de o imóvel estar atrelado a um contrato de alienação fiduciária (REsp 2.059.278).
O julgamento, no início, com o voto do relator, favorável aos bancos, parecia que iria manter a jurisprudência do STJ – tanto da 3ª quanto da 4ª Turma. Para o ministro Marco Buzzi, a impossibilidade de penhora do bem, alienado fiduciariamente, se justificaria pelo fato de não pertencer ao devedor.
“A alienação fiduciária está correndo grandes riscos” — Kelly Durazzo
Prevaleceu, porém, a divergência aberta pelo ministro Raul Araújo. Ele entendeu que o proprietário fiduciário não poderia ter mais direitos que o proprietário comum, que pode ter o imóvel penhorado em caso de dívida de condomínio. “Se essas despesas não forem pagas pelo devedor fiduciante nem pelo devedor fiduciário, quem terá que arcar serão os demais condôminos, o que não é justo e não é correto”, afirmou.
Segundo o ministro, a impossibilidade de penhora deixaria o devedor fiduciante em uma situação confortável. E, por outro lado, o credor fiduciário também se sentiria tranquilo. Receberia pelo empréstimo e não seria importunado por eventual dívida de condomínio.
Em seu voto, o ministro Raul Araújo propôs que fosse determinada a penhora do imóvel e a citação do banco, para verificar se, apesar de não fazer parte do processo, teria interesse em quitar a dívida de taxas de condomínio para não perder o imóvel ou parte dele em leilão.
O entendimento foi seguido pelos ministros João Otávio de Noronha, Antonio Carlos Ferreira e Maria Isabel Galotti. Ela também entendeu que poderia haver responsabilidade pela dívida de condomínio tanto do devedor fiduciário quanto do real proprietário (banco).
A ministra reconheceu que existem diversos precedentes no STJ em sentido contrário, inclusive de sua relatoria. “Mas isso seria ignorar o caráter ‘propter rem’ da dívida do condomínio nos contratos de alienação fiduciária, em detrimento da coletividade dos condôminos.”
Noronha destacou que a decisão representa uma mudança no entendimento consolidado pelo STJ. “Mas podemos evoluir, não podemos ficar presos a erros do passado”, disse.
Para a advogada Kelly Durazzo, sócia do Durazzo & Medeiros Advogados, a mudança de entendimento causa insegurança ao crédito imobiliário. “A alienação fiduciária está correndo grandes riscos com toda essa proteção aos condomínios”, afirma.
A advogada lembra que a Lei nº 9.514, de 1997, que institui a alienação fiduciária, é clara e estabelece que a propriedade do imóvel é do banco, até a quitação total. Por isso, acrescenta, não poderia ir a leilão um imóvel que não é de propriedade do devedor. “Essas decisões podem prejudicar o setor imobiliário, já que os bancos vão naturalmente tornar o crédito mais restritivo ou mais caro para compensar o risco.”
Se esse entendimento for consolidado pelo STJ, diz a advogada, os bancos terão que passar a controlar o pagamento de taxas de condomínio e eventualmente tomar o imóvel. O artigo 26, parágrafo 1º, da Lei nº 9.514, de 1997, afirma, segundo ela, que o fiduciante pode ser intimado a pedido do fiduciário (banco) para quitar, no prazo de 15 dias, além das prestações dos imóveis, os tributos e as dívidas de condomínio.
De acordo com o advogado Melhim Chalhub, sócio do Chalhub Santiago & Advogados Associados, o assunto realmente é controvertido. Para ele, somente seria passível de penhora o direito real de aquisição, ou seja, a parte que o devedor pagou no imóvel. Para ele, quem arremata um imóvel em leilão deveria assumir o contrato de alienação fiduciária e quitar o restante da dívida. Porém, seria difícil achar interessados, caso essa fosse a condição.
Já para Marcelo Tapai, do Tapai Advogados, a nova decisão do STJ “é mais do que acertada”. O banco, afirma, não pode ficar só com o bônus da lei de alienação fiduciária, tem que arcar com o ônus. Assim como quem aluga o seu imóvel fica sujeito a leilão caso o locatário não quite o condomínio, acrescenta, o mesmo deve acontecer com bancos. “Ou poderia também quitar a dívida de condomínio, como sugerido no julgamento, e depois entrar com ação regressiva contra o devedor.”
Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) diz, porém, que “toda inovação, como a preferência de o condomínio receber os recursos decorrentes da penhora do imóvel dado em garantia em detrimento do credor fiduciário, gera incerteza e tem o potencial de afetar todo o mercado imobiliário”. E acrescenta que, “assim que o acórdão for publicado, avaliaremos com profundidade seus impactos”.
Fonte: VALOR ECONÔMICO