As empresas brasileiras listadas vão eleger até o fim do mês 453 conselheiros de administração na atual temporada de assembleia de acionistas, sob o manto de pressão de juros mais altos no custo da dívida, casos de brigas societárias, além de acionistas minoritários buscando emplacar seus representantes.
Conforme levantamento feito pela consultoria Ânima, a pedido do Valor, 55 empresas de 84 que compõem o Ibovespa, o principal índice teórico da B3, escolherão membros do colegiado neste ano. Em 2024 foram eleitos 360 membros, ainda de acordo com a consultoria.
Do total de candidatos, o estudo mostra que apenas 22,5% são mulheres. E cerca da metade dos 453 será de conselheiros independentes, ainda de acordo com a Ânima. “Além da composição dos conselhos, as assembleias vão tratar de pontos fundamentais como aprovação de contas ou mudanças no estatuto. A presença de acionistas minoritários, mesmo com pouca s ações, contribui para um ambiente mais transparente e equilibrado”, afirma a sócia a Ânima, Simone Monteiro. Segundo ela, conhecer os nomes dos candidatos “ajuda a avaliar se os interesses da administração estão alinhados com os dos acionistas”.
A presença de acionistas minoritários, mesmo com poucas ações, contribui para um ambiente mais transparente” — Simone Monteiro
A Eletrobras, que apesar de privatizada possui o governo como acionista, também reformula seu conselho no fim do mês, com três indicados da União – Maurício Tolmasquim, Silas Rondeau e Nelson Hubner. O governo e companhia fecharam recentemente um acordo em torno da governança da companhia em que se firmou que a União teria direito a três vagas. O acordo ainda precisa ser votado em assembleia. No entanto, mesmo sem o acordo, tendo em vista a participação acionária do governo na companhia, a União consegue eleger dois representantes com o peso de seus votos.
Ainda na Eletrobras, a disputa pelas cadeiras do colegiado esquentou, com a companhia defendendo sua lista recomendada, que inclui os nomes da União e Carlos Ferreira, executivo experiente setor elétrico. Por fora dessa lista correm por uma vaga Marcelo Gasparino, atual conselheiro da empresa mas que ficou de fora da lista, além de José João Abdalla Filho, um dos maiores investidores individuais da companhia.
Outro caso que chamou a atenção na atual temporada envolve a farmacêutica Hypera, com uma reformulação de seu conselho de administração após uma oferta hostil feita no ano passado pelo empresário Carlos Sanchez, dono da EMS, e que foi rechaçada pela companhia. O fundador da Hypera, João Alves Queiroz Filho, conhecido como Junior, quer voltar ao colegiado. Do outro lado, Sanchez quis indicar conselheiros e se uniu à L Par, de Lirio Parisotto, para fazer a indicações. Parisotto chegou a comunicar desistência do processo, mas mudou de ideia logo depois, mantendo sua candidatura.
A Hypera tem reagido às investidas da rival e foi ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), na tentativa de impedir, mesmo que de forma indireta, a presença de concorrente em seu colegiado. O órgão antitruste, no entanto, disse que vai analisar melhor o caso e pediu mais informações e frisou que a rival EMS não pode exercer seus direitos políticos até sua decisão.
No Grupo Pão de Açúcar (GPA), o francês Casino, Ronaldo Iabrudi e o empresário Nelson Tanure, chegaram a um acordo sobre a nova composição do conselho de administração da rede supermercadista, pouco tempo depois de uma mudança acionária da varejista. Segundo uma fonte próxima ao GPA, o acerto ocorreu após pressão de Tanure, que tem como objetivo final uma fusão com a rede Dia, supermercadista em recuperação judicial que o empresário investiu no ano passado. No momento, Tanure já seria o segundo maior sócio individual do grupo, com posição maior que a de Iabrudi, que é ex-presidente da varejista. Por fora, os acionistas Rafael Ferri e a família Coelho Diniz também indicaram representantes para concorrerem a um espaço no colegiado.
Nas Casas Bahia , Michel Klein, da família fundadora da companhia, tinha pedido no fim de março convocação de assembleia para destituição de membros do conselho da empresa – trazendo também sua candidatura. No entanto, acabou voltando atrás citando “voto de confiança”.
Já na Eneva, que tem como principal sócio da companhia o BTG Pactual, André Esteves, fundador do banco, vai assumir uma cadeira – a empresa de energia elétrica é uma investida da instituição financeira. Na B3, Antonio Quintela, presidente do conselho da bolsa, se despede do colegiado após uma década. José Berenguer, presidente do banco XP, retorna ao colegiado.
Monteiro, da Ânima, aponta que trocas em conselhos podem ocorrer por diversas razões, dentre elas a própria estratégia da companhia, a governança corporativa e os interesses dos acionistas. Ela lembra que nas empresas com presença do Estado, seja diretamente ou indiretamente, as mudanças em conselhos são historicamente observadas em mudanças de governos. “Como o conselho tem papel central na definição da estratégia corporativa e na escolha da alta liderança, é natural que ocorra uma renovação de conselheiros nessas transições”, diz.
Movimentações societárias e a chegada de novos acionistas também costumam provocar uma dança de cadeiras. Entre outros motivos que levam à substituição ou renovação dos conselhos estão a pressão de investidores, fusões ou aquisições, reestruturações estratégicas, mudanças na governança ou até mesmo crises ou problemas de gestão”, aponta a consultora.
Fabio Coelho, presidente da Amec, associação que representa investidores minoritários, lembra que os conselhos acabam se destacando em momentos de crise de empresas, já que acabam liderando processos como os de reestruturação. Ele frisa que em momentos de crise financeira, como o vivenciado por muitas empresas no atual contexto de juros altos, os conselhos também costumam ser modificados para terem no colegiado nomes mais especializados nesses processos. “A temporada de assembleias vai refletir o momento delicado de juros altos com empresas com custo de capital mais elevado”, frisa.
Apesar do alto número de vagas abertas, isso não significa que haverá uma grande rotação em todas as empresas, visto que muitos conselheiros que já estão no cargo serão reconduzidos. Por outro lado, alguns casos chamam atenção, em especial pelo contexto envolvido. No geral, trocas mais drásticas ocorrem com empresas encarando situação financeira delicada, acionistas minoritários brigando para ocupar cadeiras nos conselhos e, ainda, o governo fazendo indicações em empresas investidas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e também por meio da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil.
“A polêmica gira em torno da indicação de gente famosa, ex-ministros por exemplo. Também não se questiona famílias que elegem profissionais com pouca ou nenhuma qualificação só por conta do parentesco”, afirma o especialista em governança corporativa, Renato Chaves. Ele aponta que a eleição de conselheiros é o que costuma chamar mais atenção do mercado e que o mercado deveria se atentar mais às remunerações que são aprovadas na assembleia. “Infelizmente poucos discutem a remuneração exagerada em algumas companhias”, diz.
Luiz Martha, diretor de conhecimento do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), lembra que a assembleia é um dos momentos mais importantes da vida de uma empresa de capital aberto e que não pode ser tratado como um momento burocrático, mas funcionar como uma oportunidade de aproximação entre acionistas administradores. “É preciso que seja um momento de interação com acionistas”, diz. A eleição do conselho, aponta ele, é para o acionista um dos momentos mais relevantes, porque será por meio desse representante o seu canal à empresa.
Procurada, a Eneva informou, por meio de sua assessoria, que a rotação dos conselheiros é parte de um processo acordado pelos acionistas em 2024. “A Eneva acredita que a nova composição do CA (conselho de administração) vai contribuir para acelerar a tomada de decisões estratégicas na companhia, promover uma alternância saudável na governança, além de reforçar o compromisso dos acionistas com o crescimento da plataforma de energia da empresa”, frisou, em nota.