Em meio ao anúncio de tarifas pelos Estados Unidos e da entrada em vigor das exigências ambientais da União Europeia em breve, o Senado pode analisar em regime de urgência a proposta que cria mecanismos legais para o governo brasileiro retaliar eventuais barreiras comerciais ou medidas protecionistas que afetem a competitividade de produtos nacionais no comércio internacional.
O texto da senadora de oposição Tereza Cristina (PP-MS) mira a defesa comercial de todos os bens e produtos brasileiros – não só do agronegócio – em termos econômicos e ambientais. O projeto prevê “clareza de reação” pelo governo e permite a adoção de “mecanismo crível” para combater travas e protecionismo.
Construída com a colaboração do Itamaraty, a proposta foi inspirada na legislação americana e dá poderes à Câmara de Comércio Exterior (Camex) para suspender concessões comerciais, de investimentos e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual em resposta a ações – políticas ou práticas unilaterais – de países ou blocos econômicos que impactam negativamente a competitividade internacional dos produtos brasileiros.
Diferentemente do texto original do projeto de lei do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que trazia o conceito de reciprocidade ambiental e criava barreiras para produtos de países com leis e níveis de preservação menores que os do Brasil, o substitutivo da ex-ministra da Agricultura a esse texto prevê uma reação formulada de maneira “compassada” e que deixe “aberto o espaço para negociação”. O objetivo é evitar um caráter punitivista contra o parceiro comercial e não criar um ambiente para o aumento da guerra tarifária, com retaliações a produtos brasileiros.
O tema ganhou força em meio ao acirramento da guerra comercial assumida pelo presidente americano, Donald Trump. Ele anunciou tarifas a países exportadores, como China, Canadá e México, e fez novas ameaças ao Brasil nesta semana.
A paralisia da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a inexistência de outros organismos isentos para avaliar disputas comerciais também pressionam o Brasil, pois há um “vácuo legislativo” no ordenamento jurídico brasileiro para enfrentar os variados tipos de barreiras, argumenta Tereza em seu substitutivo.
“Protecionismo disfarçado”
A proposta também quer proteger os interesses nacionais de “medidas unilaterais” com vertentes ambientais e que extrapolam a legislação daqui, como a Lei Antidesmatamento da União Europeia (EUDR). A iniciativa é chamada de “protecionismo disfarçado” pela senadora, que alerta para os custos elevados de comprovação das exigências feitas pelo regulamento que entra em vigor no fim do ano.
A senadora articula a urgência para a votação. A depender da pressão das medidas adotadas por Trump, o governo brasileiro pode encampar a ideia e apresentar as regras por medida provisória, com vigência imediata, apurou o Valor.
Essa matéria estabelece uma salvaguarda para o comércio exterior, protege a exportação de produtos brasileiros de medidas abusivas. Surgiu para responder às ameaças de barreiras sanitárias, ambientais e comerciais da Europa sobre os nossos produtos, mas agora nós temos aí os Estados Unidos também tratando desse tema — Tereza Cristina
O projeto estabelece critérios para a intervenção da Camex em resposta a três tipos de ações de outros países: “que interfiram nas escolhas legítimas e soberanas do Brasil, por meio de ameaça ou aplicação de medidas comerciais e de investimentos; que violem ou prejudiquem benefícios ao Brasil sob qualquer acordo comercial; e que configurem medidas unilaterais com base em requisitos ambientais que sejam mais onerosos do que os parâmetros, normas e padrões de proteção ambiental adotados pelo Brasil”, em clara oposição à EUDR.
Medidas
O texto autoriza o Conselho Estratégico da Camex (CEC) a adotar contramedidas, como restrições às importações de determinados produtos ou a suspensão de concessões, de forma isolada ou cumulativa. A indicação é que elas sejam “proporcionais ao impacto econômico” causado ao Brasil pelas ações iniciais dos países-alvo.
As etapas de implementação dessas ações ou contramedidas deverão ser definidas em regulamentação posterior, mas terão que prever consultas públicas para manifestação dos interessados, prazos para análise do pleito específico e sugestão de contramedidas.
A proposta de lei ainda determina a realização de consultas diplomáticas, coordenadas pelo Ministério das Relações Exteriores, para “mitigar ou anular os efeitos das medidas e contramedidas”. Já a Camex deverá estabelecer mecanismos para monitorar periodicamente os efeitos das contramedidas adotadas e a evolução das negociações.
O texto ainda precisa ser votado nas comissões de Meio Ambiente e na de Assuntos Econômicos do Senado antes de ir para a Câmara.