A 1ª Turma do TRT da 24ª Região confirmou, no dia 30 de março de 2022, a sentença prolatada pelo juiz de direito da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Dourados/MS, que entendeu por reverter a demissão por justa causa aplicada ao colaborador em razão da detecção de álcool em seu sangue (dados pessoais sensíveis) durante jornada de trabalho por meio da utilização de etilômetro (bafômetro).
Em breve síntese, o acórdão reverteu a demissão por justa causa de empregado que, após exame de bafômetro realizado pelo empregador, teve encontrada em seu corpo a quantidade de álcool de 0,078 mg por litro de ar. A decisão considerou a quantidade de álcool ínfima, não havendo embriaguez, o que afastou a justa causa, e, condenou ainda, o empregador em danos morais pelo tratamento inadequado dos dados pessoais do empregado, conforme a seguir explorado.
A concentração de bebida alcoólica no sangue do empregado foi reconhecida pelo magistrado a quo como dado pessoal sensível, por ser informação relacionada à saúde de pessoa física identificada, ao passo que, a coleta desse dado pessoal sensível deveria observar as disposições e obrigações contidas na Lei Geral de Proteção de Dados –LGPD (Lei nº 13.709/18), o que não ocorreu.
Ao se realizar tratamento de dados pessoais sensíveis, como no caso, é necessária atenção e cautela redobrada por parte do agente de tratamento (empregador), sendo possível a coleta de tal informação apenas se estritamente necessário para se alcançar a finalidade pretendida, bem como alicerçada em uma das hipóteses autorizativas de tratamento dispostas no Art. 11 da LGPD.
Quando da coleta dos dados sensíveis através do bafômetro, não fora informado ao empregado “o por quê” dessa aferição, desrespeitando assim o princípio da Finalidade disposto no Art. 6º, inciso I, da LGPD. Ainda, foi vislumbrada pelo magistrado, a violação ao princípio da Necessidade (Art. 6º, inciso III, da LGPD) por não se mostrar estritamente necessária a coleta da concentração de álcool no sangue do colaborador, visto que esse exerce a função de auxiliar de carga e descarga e, assim, suas atribuições não colocam em risco a própria saúde ou de terceiros, como é no caso de motoristas profissionais (Art. 168, §6º da CLT).
Pelo mesmo fato tem-se a inexistência de coleta do consentimento do empregado para a realização do teste de bafômetro (Art. 11, I da LGPD), base legal que deve ser observada de primeiro plano, pois é considerada como regra para o tratamento de dados pessoais sensíveis.
Outrossim, a coleta da concentração de álcool no sangue do colaborador não se enquadra como essencial para cumprimento de obrigação legal ou regulatória (Art. 11, inciso II, alínea a, da LGPD), nem mesmo para o exercício regular de direitos em contratos, processo judicial, administrativo ou arbitral (Art. 11, inciso II, alínea d, da LGPD), haja vista a quantidade de álcool encontrada (0,078 mg por litro de ar) ser ínfima e o mesmo não apresentar quaisquer sinais de embriaguez, como consta dos autos.
E, por fim, a coleta dos dados sensíveis do empregado não se amolda à hipótese autorizativa de proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiros (Art. 11, inciso II, alínea e, da LGPD), pelo fato de a atividade exercida pelo colaborador não expor a riscos a vida de qualquer pessoa.
Desta feita, deixou o magistrado da 1ª Vara do Trabalho de Dourados/MS estabelecido que, com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados o empregador apenas poderá submeter o empregado ao exame etílico sem o seu consentimento se (i) “tratar-se de motorista profissional (artigo 168, § 6º, da CLT) ou de trabalhador que, caso exerça sua atividade embriagado, coloque em risco a própria saúde ou de terceiros, em razão do princípio da necessidade (artigo 6º, III, e artigo 11, II, da Lei 13709/2018)”; (ii) “ele for informado explicitamente sobre qual é a finalidade da realização do exame (artigo 6º, I, da Lei 13709/2018)”; ou (iii) “nos casos do artigo 11 da Lei 13709/2018, requisitos esses […] que devem ser observados cumulativamente.”.
Depreende-se, então, que o julgado é importante precedente não só para ser observado na ocorrência de demissões por justa causa em decorrência de embriaguez do empregado, mas também nas situações em que for necessária a coleta de dados pessoais sensíveis de colaboradores em respeito e cumprimento às normas estampadas na Lei Geral de Proteção de Dados e na Consolidação das Leis do Trabalho.
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RORSum nº 0024177-39.2021.5.24.0021
Cassiano Rodrigues (cassiano@gomesaltimari.com.br)
Maria Carla Rodrigues (maria.rodrigues@gomesaltimari.com.br)