O noticiário sobre a Operação Carbono Oculto trouxe novamente à tona um tema que deveria ser tratado como prioridade de governança. Trata-se do uso de estruturas reguladas do mercado de capitais para fins escusos, inclusive lavagem de dinheiro. A investigação mostrou como veículos legítimos podem ser distorcidos quando a fiscalização não acompanha a criatividade financeira.
Nesse contexto, o Valor Econômico publicou reportagem relevante sobre os chamados fundos de prateleira, também conhecidos como barriga de aluguel. São estruturas em que, mesmo com cotista único, não se identifica o beneficiário final. Criados como instrumentos de investimento, esses fundos teriam sido usados em operações suspeitas, o que acendeu um alerta entre reguladores e governo. Mais uma vez, fica evidente que as brechas regulatórias não são detalhes técnicos, mas pontos de fragilidade que abrem espaço para a captura do sistema financeiro.
A experiência brasileira mostra que muitas vezes os atores mudam, mas as brechas permanecem. Após cada episódio, descobre-se que era evidente que determinada empresa, fundo ou operação traria problemas. Antes do colapso, porém, os sinais de risco costumam ser relativizados ou tratados com indiferença. Esse fenômeno de complacência compromete a cultura de governança e abre espaço para a repetição dos mesmos erros.
Não é a primeira vez que enfrentamos dilemas semelhantes. O mercado brasileiro conhece bem os riscos de inovações sem transparência. No início dos anos 2000, os FIDCs sofreram desgastes quando a fragilidade na verificação de lastros gerou perdas e litígios que só foram contornados após forte atuação da CVM. Os fundos de pensão também entraram em crise depois de investimentos em veículos mal estruturados, mais tarde investigados pela CPI dos Fundos e pela Operação Greenfield. São casos diferentes, mas todos apresentam o mesmo denominador comum, que é a ausência de governança adequada e de supervisão efetiva.
O Brasil também já testemunhou em maior escala o que a falta de controles pode provocar. A Operação Lava Jato revelou como offshores e empresas de fachada foram usadas para mascarar operações financeiras e comprometeram a confiança no ambiente de negócios. A diferença, agora, é que o problema está dentro do mercado regulado, em fundos que deveriam dar segurança ao investidor e acabaram associados a zonas cinzentas e suspeitas.
O esforço para fechar essas brechas representa muito mais do que uma resposta a um caso específico. É um teste de credibilidade. Cada vez que a regulação demora a se adaptar, o custo aparece em forma de desconfiança. E confiança é o ativo mais valioso do mercado de capitais.
A lição que fica é que a transparência sobre beneficiários finais não deve ser confundida com burocracia. Trata-se de um mecanismo de proteção para o investidor, para a concorrência leal e para a reputação do sistema financeiro. Os fundos de prateleira podem até desaparecer com novas regras, mas outros instrumentos surgirão. O que não pode desaparecer é a vigilância permanente e a memória dos erros já cometidos.
Fonte: InfoMoney25