A reação brasileira aos ataques protecionistas de países importadores, evidenciada pela recente campanha francesa contra os produtos agropecuários nacionais e por legislações restritivas, como a lei antidesmatamento da União Europeia, tem caminhado para a criação de um mecanismo legal que permita retaliações oficiais do lado de cá e proteja a posição do Brasil no comércio internacional.
Representantes do governo e do agronegócio reconhecem a necessidade de construir uma medida nessa linha, mas alertam que ela não pode ser exclusivamente punitiva. O receio é que a criação de algumas exigências ambientais pelo Brasil sejam um “tiro no pé” e que possam gerar reações adversas dos outros países ou causar uma guerra comercial de sanções e retaliações às exportações brasileiras.
O tema foi debatido nesta quarta-feira (4/12) em audiência pública no Senado Federal. A discussão foi proposta pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), relatora do projeto de lei 2088/2023, que cria uma lei de reciprocidade ambiental e econômica para o país e pode dar base para esse tipo de reação.
Tereza Cristina deve apresentar em breve um texto substitutivo para votação. A senadora disse que a proposta não vai mirar apenas um bloco ou país e terá o cuidado de não prejudicar as relações comerciais atuais. Ela afirmou que o objetivo é estabelecer critérios similares aos impostos pela União Europeia para as exportações brasileiras.
O texto tem sido alinhavado com o governo. A intenção é envolver a Câmara de Comércio Exterior (Camex) e espelhar a postura adotada pelos Estados Unidos, com medidas escalonadas, que variam de notificações, investigações e punição com alíquotas de importação maiores, disse em entrevista ao Valor recentemente.
“Nossa posição é impedir a concorrência desleal imposta por outros países. Sabemos que, para isso, será necessária a atuação firme da Câmara de Comércio Exterior (Camex), a fim de manter o equilíbrio no comércio exterior. Se houver medidas absurdas unilaterais contra nossas exportações, estabeleceremos também, em lei, cláusulas-espelho restritivas contra as exportações desses países para o Brasil”, disse Tereza Cristina nesta quarta-feira.
Na audiência, o embaixador Fernando Pimentel, diretor do Departamento de Política Comercial do Ministério de Relações Exteriores, disse que o comércio mundial vai enfrentar, nos próximos anos, um período mais “confuso”, com o crescimento do protecionismo relacionado a questões ambientais.
Ele defendeu que o Brasil tenha os próprios instrumentos para atuar no enfrentamento dessas barreiras, mas que o modelo não seja um “gatilho que dispare a todo momento”, para não representar um “tiro no pé” e prejudicar a economia brasileira.
“Devemos pensar em um modelo que permita ao governo brasileiro reagir, mas não seja tão sensível que dispare a qualquer hora. Que respeite a regulação nacional, que os ativos ambientais brasileiros sejam respeitados e levados em consideração nessa ação de reciprocidade, e que o processo seja claro, crível e compassado”, destacou.
Ele defendeu que o processo permita espaço para negociação. “O objetivo do governo não é só reagir no sentido punitivo, quer resolver o problema. Achamos fundamental ter um instrumento que permita ao Brasil atuar na arena do comércio internacional, que vai ficar mais complicada”, completou.
“Quando falamos de tiro no pé é sobre tipo de retaliação que devemos fazer. Não queremos mecanismos de brigar com todo mundo sempre, porque custa para a economia brasileira retaliar. Na hora de discutir como retaliar, pode acabar se machucando sem entender as consequências”, concluiu.
Ana Toni, secretária Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, disse que o “protecionismo verde” está cada vez mais na pauta e que o Brasil, com uma medida de reciprocidade ambiental e comercial, pode se antecipar para o que “vai vir ainda pior”.
O alerta da secretária, porém, foi para que esse mecanismo não seja criado no âmbito da Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), como pretende o texto original do PL 2088/2023, do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA).
“Da nossa perspectiva, as medidas são importantes, mas não é nessa política que está o problema. Colocar o foco na PNMC pode ser um tiro no pé. Parece que estamos usando as mesmas medidas que eles usam, e o problema é o protecionismo verde e não as políticas climáticas que o Brasil tem e provavelmente outros têm, mas o mau uso da política comercial para isso”, disse na audiência.
O senador Zequinha Marinho disse que seu projeto quer cobrar de quem impõe cobranças adicionais ao Brasil. “A cobrança é para quem cobra da gente. Entende que cada país é soberano, que tem obrigação de respeitar a legislação de outro país, mas não pode admitir hipocrisia, se eles não fazem lá, mas querem obrigar a fazer aqui”, afirmou durante a reunião.
Mudanças necessárias
Representantes do agronegócio defendem mudanças nos textos dos dois projetos de lei sobre reciprocidade ambiental que tramitam no Congresso Nacional. Para eles, o termo mais adequado a se usar e os parâmetros ideais a serem buscados na nova legislação são de “equivalência”, para não criar barreiras a importantes parceiros comerciais brasileiros atualmente, como a China.
Fernando Sampaio, diretor de Sustentabilidade da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carnes (Abiec), destacou que um dos artigos do projeto 2.088/2023, do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), diz que só poderão ser importados bens e produtos de países que adotam e cumprem níveis de emissões de gases de efeito estufa iguais ou inferiores aos do Brasil.
A regra, por exemplo, criaria limitações para o comércio com China e Estados Unidos, cujas emissões de gases são maiores que as do Brasil e que teriam a possibilidade de retaliar.
Sampaio disse que a lei antidesmatamento da União Europeia (EUDR, na sigla em inglês) é excludente e não respeita procedimentos já adotados pelas indústrias brasileiras. O regulamento é um dos principais focos para a criação de uma lei de reciprocidade no Brasil. Ele ponderou, no entanto, que o bloco europeu ainda é o quarto maior consumidor de carne bovina do Brasil e o que paga mais pelo produto exportado na média mundial.
Ele defendeu que o instrumento a ser criado no Brasil exija uma equivalência ambiental, para considerar a realidade de cada país. “Temos um grande risco de o Brasil dizer que a importação será só de quem tem Código Florestal igual ao nosso ou emissões menores e entrar em guerra de sanções e retaliações que prejudicam todo mundo”, disse durante participação na audiência pública do Senado Federal que debateu o assunto.
O dirigente ainda enfatizou que para avançar nessa agenda ambiental o Brasil precisa eliminar a ilegalidade na atividade produtiva, com ocupações e desmatamentos ilegais de terras públicas não destinadas.
O outro projeto sobre o tema (1.406/2024), do deputado Tião Medeiros (PP-PR) está em debate na Câmara. A proposta impede o governo brasileiro de firmar acordos comerciais que possam representar “restrições às exportações brasileiras e ao livre comércio” quando os outros países ou blocos signatários não adotarem medidas de proteção ambiental equivalentes.
A expectativa é que o projeto de Medeiros seja alterado e aprovado para passar a tramitar em conjunto com o do Senado, relatado pela senadora Tereza Cristina (PP-MS). Há críticas sobre o teor mais protecionista e restritivo da proposta.
“Os produtos brasileiros estão tomando mercados que eram de outros países. Temos que tomar cuidado. Hoje é a nossa carne que é atacada, mas temos outros produtos que dependem das exportações e protegem nossa balança comercial”, ponderou Gislaine Balbinot, diretora-executiva da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
Tarifa de carbono e compensação ambiental
O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, afirmou que o Congresso Nacional precisa politizar o tema das restrições e exigências ambientais que têm sido criadas ao redor do mundo para mostrar a esses países e blocos que o Brasil tem uma resposta à altura e vai reagir.
O executivo disse que é preciso focar em indicadores que possam ser mensurados de forma objetiva, para garantir segurança jurídica à regra. Nassar participou da audiência pública no Senado Federal que discutiu a proposta de criação de uma lei de reciprocidade ambiental para nortear as relações comerciais brasileiras e abrir a possibilidade de o país adotar barreiras e retaliações.
Nassar sugeriu, por exemplo, impor uma tarifa de carbono na fronteira para produtos importados. Como foi aprovada a lei que cria o mercado regulado de carbono recentemente, ele disse que a medida é compatível e pode ajudar a implementar esse mecanismo de equivalência.
Para ele, a tarifa não deve abranger todos os produtos importados. A proposta é que sejam definidos setores que são intensivos em carbono ou energia para fazer a seleção dos itens sujeitos à cobrança na fronteira.
Outra ideia é permitir ao importador compensar a emissão adicional de carbono do produto importado com a compra de certificados de conservação de vegetação nativa, como a Cédula de Produto Rural Verde, por exemplo.
“Pode se medir a emissão de determinado produto, se passar de um patamar, ou paga a tarifa ou ele compensa comprando ativo verde no Brasil, o que gera renda para quem tem esse ativo protegido no Brasil”, disse na audiência. Segundo ele, o mecanismo poderia viabilizar a CPR Verde, criada em 2021, mas que ainda patina.
Para ele, o Congresso Nacional não deveria discutir a imposição de restrições ao governo para assinar acordos, como prevê o projeto de lei 1.406/2024, do deputado Tião Medeiros (PP-PR). “Não dá para punir o governo porque um terceiro está impondo restrição”, disse.
Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), disse que o aumento da relevância no mercado internacional tem gerado ataques ao agronegócio brasileiro. Ela defendeu a criação de uma proposta governamental para equilibrar as relações mundo afora, mas ressaltou a necessidade de cautela para que tal medida não gere outras retaliações ao Brasil.
“Não é só União Europeia e não é só agro. Esse é um projeto que vai abarcar todo mundo. O agro é grande fornecedor de meio de cadeia, importamos muito e exportamos muito. É importante ter cuidado para qualquer iniciativa que falamos de reciprocidade, mas de reequilibrar relações, temos que pensar no impacto geral como um todo”, explicou.
Segundo ela, o Brasil não pode partir para a elaboração de uma regra que seja encarada como exagerada nos parceiros comerciais nem alvo de outras retaliações.
“Há diferenças entre agricultura tropical e de clima temperado. Assim como a União Europeia não pode chegar aqui e falar como devemos implementar, temos que ter cuidado para não fazer o mesmo”, disse.
Mori disse que é preciso criar uma norma que respeite os normativos da Organização Mundial do Comércio (OMC). “Existe juiz nesse mundo, apesar de enfraquecido e não tão atuante, mas as normas da OMC estão escritas (…) Precisamos fazer uma medida que não coloque telhado de vidro, porque se fizermos questionamento lá fora, não podemos fazer o mesmo aqui dentro para não cometer erros”, concluiu.