No início de 2023, foi noticiado na imprensa um esquema de manipulação de resultados
de jogos envolvendo atletas e dirigentes de futebol, colocando em pauta o tema da
integridade esportiva e da corrupção privada no esporte.
Pouco tempo depois, em 14 de junho de 2023, foi sancionada, com vetos, pelo
Presidente da República, a Lei Geral do Esporte (Lei nº. 14.597/2023). A Lei Geral do
Esporte é um importante marco para a prática do esporte no Brasil, trazendo inovações
de extrema relevância, com objetivo de conferir maior transparência e impor deveres
éticos na prática esportiva.
A nova Lei buscou consolidar em um único texto as normas legais relacionadas à
matéria esportiva, contemplando matérias abordadas na Lei Pelé (Lei nº. 9.615/1990),
na Lei da Bolsa Atleta (Lei nº. 10.891/2004), na Lei de Incentivo ao Esporte (Lei nº.
11.438/2006) e no Estatuto do Torcedor (Lei nº. 10.671/2003), cabendo destacar alguns
pontos da novel legislação elencados a seguir.
Entre as inovações trazidas em seus mais de 200 artigos, destaca-se a criação do
Sistema Nacional do Esporte (Sinesp), que será responsável pela formulação,
planejamento, avaliação e implementação de políticas públicas, de ações e programas
voltados a promover e fomentar políticas esportivas.
Além disso, a norma recém-aprovada objetiva, também, promover a maior valorização
da autonomia esportiva, garantindo menor interferência externa indevida que possa
ameaçar a incerteza do resultado esportivo, a integridade do esporte e a harmonia do
sistema transnacional, chamado de Lex Sportiva, segundo o que orienta a Carta
Olímpica.
A legislação em comento dispõe sobre as fontes de recursos das organizações
esportivas de caráter privado, definindo seu estatuto jurídico, sua forma de
financiamento e a relação com recursos provenientes da exploração de jogos
prognósticos (apostas), sorteios e loterias, definindo, ainda, princípios e diretrizes que
devem nortear a gestão das organizações esportivas (transparência financeira e
administrativa, moralidade, responsabilidade social e etc.), inclusive prevendo a
possibilidade responsabilização solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados,
de gestão irregular ou temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto
da entidade administrada.
Outro ponto importante que a Lei Geral dos Esportes nos traz é o reconhecimento e
regulação das profissões de atleta, treinador e árbitros, independente da modalidade de
esporte em que atuam.
Por sua vez, a Lei Geral do Esporte define, em seu artigo 94, os chamados direitos
econômicos como sendo qualquer resultado ou proveito econômico proveniente da
transferência do vínculo esportivo de atletas profissionais entre as organizações
esportivas empregadoras.
Esses direitos econômicos surgiriam também do pagamento da cláusula indenizatória
esportiva em contratos especiais de trabalho esportivo ou de compensação por rescisão
de contrato, determinada por um órgão ou tribunal competente. A Lei prevê que a
transferência ou negociação dos direitos econômicos dos atletas está sujeita às regras
e regulamentos de cada organização esportiva e às Leis internacionais das federações
esportivas internacionais.
Logo em seguida, no artigo 95, a nova legislação dispõe sobre os contratos de
intermediação, de representação e de agenciamento esportivo, definindo como agente
esportivo, pessoa física ou jurídica, que exerce a atividade de intermediar a celebração
de contratos esportivos e agenciando a carreira dos atletas, submetendo a sua atuação
a regras e aos regulamentos próprios de cada organização de administração esportiva e
à legislação internacional das federações internacionais esportivas.
O parágrafo 1º deste artigo permite, em âmbito nacional, aos parentes em primeiro
grau, ao cônjuge e ao advogado representar os interesses de atleta na condição de
intermediadores ou agenciadores, ainda que sem o registro ou de licenciamento junto a
organização esportiva que administra e regula a respectiva modalidade esportiva.
Ainda com relação dos atletas, a norma possibilita ao atleta a rescisão indireta do seu
contrato especial de trabalho esportivo na hipótese de mora no pagamento da
remuneração por período igual ou superior a 2 (dois) meses, permitindo, nessa
hipótese, o atleta se recusar a competir pela organização esportiva.
A Lei Geral do Esporte traz, como inovação, a limitação de que a remuneração devida
ao atleta pela utilização de sua imagem não possa exceder o equivalente a 50%
(cinquenta por cento) de seu salário. Além disso, ela proíbe o proveito publicitário
indevido e ilegítimo obtido por meio de artifícios ou ardil sem que se tenha um contrato
regular entre as partes (desde que legítimas) e sem a prévia anuência dos detentores
destes direitos envolvidos.
Acerca dos direitos de transmissão e imagem, a nova lei define que as organizações
esportivas mandantes dos jogos possuem o direito de exploração e comercialização da
transmissão e reprodução de seus jogos (direito de arena), ou seja, os clubes possuem
o direito de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a
transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens do espetáculo esportivo, por
qualquer meio ou processo em que participam como mandantes.
Seguindo a tendência internacional, a Lei Geral do Esporte criminaliza a corrupção
privada no esporte. Antes disso, somente se configuraria crime de corrupção caso fosse
praticado no âmbito da administração pública. Com a chegada da nova lei esportiva,
aquele que, na qualidade de gestor ou representante de organização esportiva, cometer
qualquer ato indevido, omissivo ou não, inerente à sua atribuição para obter vantagem
própria ou de terceiros, poderá ser punido com pena de dois a quatro anos de reclusão
e multa. Do mesmo modo, aquele que tiver relação com vantagem indevida, seja
mediante promessa, oferta, pagamento, de maneira direta ou indireta a representante
de organização esportiva, também estará sujeito à mesma pena.
Ainda sobre os aspectos criminais, a Lei Geral do Esporte enquadra como crime
algumas condutas contra as relações de consumo e propriedade intelectual, no âmbito
esportivo, como, por exemplo, a venda de ingressos com preço superior ao estampado
no bilhete, atos abusivos de propaganda e comércio em desfavor do patrimônio
imaterial dos clubes e organizações esportivas.
Outro ponto relevante que a nova lei trata, é a criminalização das práticas de marketing
de emboscada (ambush marketing), por associação ou intrusão, tratada pelos artigos
170 e 171, definindo pena de detenção de três meses a um ano, ou multa, aqueles que
cometerem estas condutas.
Nesse sentido, o marketing de emboscada é, basicamente, uma estratégia de
marketing, onde uma marca não patrocinadora de determinado evento busca,
indevidamente, se associar a evento produzido por terceiro, se beneficiando de sua
popularidade e mídia, sem incorrer nos custos correlatos, prejudicando os investimentos
feitos pelos patrocinadores oficiais e pelos próprios organizadores.
Com o objetivo de preservar algumas disposições sobre a proteção da integridade e paz
no esporte, que estavam presentes no agora revogado Estatuto do Torcedor, a Lei
Geral do Esporte mantém a criminalização de condutas que possam interferir na
imprevisibilidade do resultado esportivo. Ou seja, qualquer ato que possa interferir nesta
incerteza, bem como entrega ou promessa de vantagem indevida, tendente a alterar o
resultado de competições esportivas, continua sendo crime, com pena de dois a seis
anos de reclusão e multa.
De acordo com a nova lei, as organizações esportivas que regulam e administram suas
modalidades, como, por exemplo, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), devem
promover e incentivar a prática esportiva com base em padrões éticos e morais que
prezem e garantam o chamado fair play ou jogo limpo nas competições, incluindo
obrigação específica de criação de um regulamento de fair play financeiro aplicável às
competições que promoverem.
Por fim, ressalta-se que a Lei teve alguns vetos por parte do Presidente da República,
que atualmente estão em análise pelo Congresso Nacional, tais como os que tratavam
sobre a cláusula compensatória de atletas em contratos de trabalho, isenção de
impostos, a respeito da criação da Anesporte, da Lei Pelé e a Lei de Incentivo ao
esporte, sobre a criação de uma justiça desportiva para cada modalidade esportiva,
entre outros pontos.
Alertamos que este material foi elaborado para fins de informação e debate, não
devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio
específico. Os advogados do Gomes Altimari Advogados estão à disposição para
oferecer esclarecimentos adicionais sobre o tema.
Caio Pinheiro Garcia de Oliveira – caio.oliveira@gomesaltimari.com.br
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