Após decisão do juiz de Direito Mario Sergio Leite, da 2ª Vara Cível de Osasco/SP que negou o pedido de indenização por dano moral “in re ipsa” (presumido) pleiteado por uma mulher contra a Eletropaulo em decorrência do vazamento de seus dados pessoais pela empresa, o instituto do dano moral em decorrência de violações da Lei Geral de Proteção de Dados volta a ser discutido pelo judiciário, porém dessa vez com um desfecho diferente.
O TRT da 3ª Região, no Recurso Ordinário nº 0010337-16.2020.5.03.0074, manteve a decisão de 1º grau que condenou a empresa Cacau Show ao pagamento de indenização por danos morais à ex-funcionária que teve seu número de celular pessoal vinculado à loja, sendo o número divulgado no site como contato comercial para os clientes, o que gerou diversas ligações e mensagens inoportunas.
A magistrada de 1º grau entendeu que a Cacau Show violou o art. 5º, inciso X e XII da Constituição Federal, por invadir a privacidade e a intimidade da ex-colaboradora, bem como o sigilo dos dados e de correspondência. Ainda, como a exposição do número de telefone ocorreu até o dia 14/10/2020, houve a aplicação e violação dos termos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Lei nº 13.709/2018, que entrou em vigor em setembro de 2020.
A LGPD regulamenta o tratamento de dados pessoais realizados pelas empresas em diversos setores e relações, inclusive nas relações de trabalho, por meio de normas e princípios que devem ser observados e seguidos quando da realização de atividades que envolvem o tratamento dessas informações. Sendo assim, a aplicação da LGPD ao caso encontra-se terminantemente adequada, já que o telefone da ex-funcionária é considerado dado pessoal, nos termos do art. 5º por ser “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”.
E, ainda, mesmo que apenas o número de telefone não identifique diretamente a ex-colaboradora, ao entrar em contato por ligação ou mensagem a identificação se realiza, sendo assim, o número de telefone é considerado um dado pessoal identificável.
Outro ponto abordado pela magistrada é que a disponibilização do número de telefone pessoal da ex-funcionária no site da empresa foi realizada sem que houvesse uma base legal elencada nos arts. 7 ou 11 da LGPD que autorizasse esse tratamento de dados e que, portanto, torna-se ilegal.
Destacou ainda que, mesmo que houvesse o consentimento (uma das bases legais da LGPD) da ex-funcionária, essa autorização não seria válida, pois, devido à relação de subordinação existente entre empregado e empregador, o consentimento não seria manifestado de “forma livre e espontânea”.
Outrossim, a Nona Turma Recursal do TRT da 3ª Região, ao julgar o recurso interposto pela Cacau Show, se posicionou ressaltando que mesmo que haja um “termo de autorização assinado pela reclamante, autorizando, a título gratuito, o uso de sua imagem na web (ID. 9640410 – Pág. 12), não legitima a divulgação de seus dados pessoais.”.
Entende-se que o tratamento realizado pela empresa violou o Princípio da Finalidade, o qual dita que os tratamentos de dados devem ter propósitos devidamente determinados, legítimos e específicos, não podendo o titular de dados receber informação sobre finalidade diversa ou incompatível com a real destinação de seus dados pessoais.
Ainda, sobre o consentimento coletado, esse deve ser fornecido para finalidades específicas e de forma destacada, não podendo existir dúvida do titular de dados na hora de fornecer sua manifestação de vontade, que deve ser ativa, demonstrando seu real desejo em autorizar ou não o tratamento dos dados pessoais em questão.
Por isso, deve-se analisar, caso a caso, a viabilidade e os impactos do uso do consentimento como base legal no tratamento de dados pessoais de colaboradores dentro da relação de trabalho, a fim de garantir os direitos do empregado e manter a continuidade da atividade empresarial com segurança e sem entraves.
No tocante à condenação por danos morais, essa foi aplicada, diferentemente do caso comentado no início deste artigo, pois restou comprovado nos autos, por meio de prints de tela, tanto da página de internet da empresa, quanto das conversas de Whatsapp entre a ex-funcionária e os clientes, bem como por testemunhas do processo, que o número realmente era utilizado como contato para negociação de produtos vendidos pela loja.
Sendo assim, restaram demonstrados os elementos essenciais que configuram o dever de indenizar (ato ilícito, dano e nexo de causalidade) e, como houve provas da importunação sofrida pela ex-funcionária decorrente da divulgação de seu número de telefone particular como sendo contato comercial da empresa e, por consequência, violação de sua privacidade, foi fixado, em primeira instância, o valor de R$ 10.000,00 a título de indenização por dano moral, que foi minorado em 2ª instância para R$ 5.000,00, mantendo-se, contudo, os fundamentos que ensejaram a condenação da Cacau Show.
Importante esclarecer que, mesmo que haja condenação judicial relacionada à violação das normas e princípios dispostos na LGPD, não gera impedimento para que sanções administrativas da Autoridade Nacional de Proteção de Dados ou de outras autoridades competentes, como o Ministério do Trabalho, sejam aplicadas.
Portanto, a empresa deve buscar a conformidade com a legislação de proteção de dados para que possa implementar em suas atividades as boas práticas e orientações pertinentes ao nicho de mercado, bem como adequar suas operações de acordo com as devidas exigências, a fim de gerar valor no seu negócio, cumprir a lei e evitar eventuais penalizações.