O Diferencial de Alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (“Difal”) é o diferencial de alíquota de ICMS recolhido nas operações interestaduais que destinem bens e/ou serviços a consumidores finais, sendo devido pela diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário em relação à alíquota interestadual, que será pago ao Estado de destino dos bens e/ou serviços.
Em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), através da ADI nº 5469, julgou inconstitucionais determinadas cláusulas do Convênio ICMS 93/2015 do Conselho Nacional de Política Fazendária (“Confaz”), que regulamentava a cobrança do Difal.
Para o STF, a cobrança do referido Diferencial deveria ser disciplinada através de Lei Complementar, e não por ato administrativo, isto é, por Convênio. Assim, enquanto não fosse editada Lei Complementar apta a exigir a cobrança do Difal, os entes competentes não poderiam realizá-la.
No referido julgamento, os ministros do STF modularam os efeitos da decisão, definindo que a inconstitucionalidade da cobrança teria efeito a partir de 2022, caso não houvesse publicação da Lei Complementar em 2021, para as empresas do Lucro Presumido e Real. Nos casos das empresas do Simples Nacional, confirmou-se o entendimento que não deve haver a cobrança do Difal.
Em resumo, a decisão se deu no sentido de proporcionar tempo suficiente para o Congresso aprovar a Lei Complementar exigida, assim, para que o Difal pudesse ser cobrado a partir de 2022, o Congresso Nacional teria que editar e fazer publicar, ainda em 2021, uma Lei Complementar para disciplinar a cobrança do Difal.
Em razão dessa decisão, os Estados, por meio do Projeto de Lei Complementar de nº 32/2021, se esforçaram para a aprovação da regulamentação do Difal ocorrer em 2021, o que ocorreu no último dia 17/12. No entanto, a Lei foi sancionada pelo Presidente da República somente em 04/01/2022, por meio da Lei Complementar nº 190/22, e publicada em 05/01/2022.
Com efeito, tal Lei Complementar há pouco entrou em vigor e já vem causando uma enorme polêmica. A discussão diz respeito ao início da produção de efeitos da referida Lei, que autorizou a cobrança do Difal, ou seja, a data em que o recolhimento do Diferencial passaria a ser exigido. Isto porque tal normativa prevê expressamente, em seu artigo 3º, a sua entrada em vigor em 90 (noventa) dias, respeitando apenas o princípio da anterioridade nonagesimal. Ocorre que o ICMS também está sujeito ao princípio da anterioridade anual tributária.
Assim, a demora na sanção e publicação da Lei Complementar esbarra no princípio da anterioridade anual. Segundo o artigo 150, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal, que trata sobre o tema, não podem ser cobrados tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a Lei que os instituiu ou aumentou. Ou seja, como a Lei Complementar que regulamentou a matéria foi promulgada apenas no início de 2022, seria necessário esperar até 2023 para poder ser efetivamente cobrado o Difal.
Por outro lado, os Estados passaram a defender o posicionamento, o mesmo adotado pelo novo convênio do Confaz, de que a referida Lei Complementar promulgada não instituiu nenhum novo tributo ou o aumentou, pois o Difal já era existente. Com isso, o Diferencial já poderia ser cobrado em 2022. Porém, tal posicionamento é contraditório, vez que o STF julgou inconstitucional a cobrança do Diferencial, isto é, o que era aplicado e cobrado passou a não existir, e, nesse caso, houve um novo imposto a partir da criação e promulgação da Lei Complementar.
Importante salientar que o referido Convênio estabelece norma retroativa, autorizando cobrança do Diferencial a partir do dia 1º de janeiro de 2022, violando não só o artigo 3º da Lei Complementar nº 190/2022, mas também a anterioridade anual, a anterioridade nonagesimal e a própria decisão do STF que determinou que o Difal somente pode ser cobrado mediante Lei Complementar, gerando enorme insegurança jurídica aos contribuintes e aos governos estaduais que dependem de tal regulamentação.
Considerando-se que a Lei foi promulgada e publicada somente em 2022, atingindo validade das normas estaduais, que disciplinam sobre o referido assunto, somente a partir de agora tais normas passariam a existir no ordenamento jurídico, e, por criarem tributo, este só pode ser exigido no próximo exercício financeiro, ou seja, em 2023, em observância ao princípio constitucional da anterioridade anual (art. 150, inciso III, alínea b), a qual o tema está sujeito.
O fato é que os Estados, após 90 dias (princípio da noventena) da publicação, isto é, em abril de 2022, irão realizar as cobranças e os contribuintes devem ficar atentos para não recolher impostos indevidos.
Vários Estados já criaram normas em 2021, na tentativa de forçar a cobrança para este ano, quais sejam: São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Piauí, Roraima, Sergipe e Tocantins. O intuito foi o de tentar justificar a anterioridade anual e de cobrar o Difal em 2022, mas tal ato não autoriza a cobrança após os noventa dias de promulgação da Lei Complementar, visto que a norma existiu a partir de sua entrada no ordenamento jurídico, isto é, em janeiro de 2022.
Conclui-se, desse modo, que o entendimento mais plausível é o de inconstitucionalidade de cobrança do Difal em 2022, com a consequente não obrigatoriedade de seu pagamento, razão pela qual as empresas que não quiserem problemas com o Estado, deverão ingressar com medida judicial para evitar questionamentos futuros.
Este material foi elaborado para fins de informação e debate e não deve ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
Gabriela Forin (gabriela.forin@gomesaltimari.com.br)
Rafael Batocchio (rafael@gomesaltimari.com.br)