Eleito, o conselheiro de administração chega em uma primeira reunião e se apresenta aos demais. Alguns novos, outros já com alguns mandatos, conversam e o tom é amistoso, falam em futebol, sobre as famílias, os netos. Até que chegam no conselheiro novo. Perguntado sobre os filhos e netos, este diz ser casado, mas que não tem filhos. A pergunta é imediata: “mas sua mulher não quis filhos?” O conselheiro responde: ”sou casado, mas eu e meu marido decidimos não ter filhos”.
O clima na sala fica constrangedor. Quem perguntou, claramente não estava preparado para receber essa resposta. Coube ao conselheiro homossexual trazer outro tema para a roda que se formara, pois o silêncio dos demais foi imediato.
A situação acima apresentada retrata com bastante fidelidade o que aconteceria em expressiva parte dos conselhos de administração deste país. As companhias buscam estratégias para atingir vários mercados, dentre os quais se encontra a classificação de “diversidade”. Pensam normalmente em diversidade de gênero e racial, assim contemplando o mercado das mulheres e daqueles não brancos. Pois é, mas há diversidades que as companhias não estão contemplando. Uma delas é a comunidade LGBTQIA+.
Ainda que haja uma comunicação específica para este grupo, como claramente se vê nos comerciais e anúncios, sempre fica aquela dúvida: “mas essa empresa realmente pensa assim ou está exclusivamente querendo atrair o Pink Money?”. Será que a empresa tem políticas de gestão que levam em consideração a minha comunidade?
Perguntas como essa passam a ser cada vez mais feitas pelo mercado em geral, quer sejam por consumidores, quer sejam por investidores. Estes, inclusive, em algum grau, já devem seguir regras específicas sobre diversidade ao efetuar a sua alocação de recursos.
O conselheiro descrito acima, antes de ser eleito, participou de várias entrevistas com investidores e/ou seus representantes, nacionais e estrangeiros. Estes demonstraram grande interesse no fator diversidade e como ela contribui para um processo mais equilibrado de tomada de decisões. Já os nacionais, lamentavelmente estavam mais com o foco para resultado, e em prazo relativamente curto.
Que pena.
Quantos recados mais o mercado em geral terá de dar aos investidores para que expandam os seus horizontes no âmbito da diversidade? Assim como aconteceu com a governança corporativa, cuja dúvida passou a ser de quando implementá-la, e não mais questionar a sua validade. O tratamento apropriado da diversidade segue o mesmo caminho. Que pena, mais uma vez.
E, que fique claro: não se trata da busca de uma reserva de mercado, mas sim de agregar novas competências aos conselhos, além das já tradicionais e reconhecidas. Não se trata de trocar um pelo outro, mas sim de somar um ao outro. As companhias não estão loucas atrás de conselheiros com competências para atuar em disrupção nos negócios? Pois é, já passou a hora de que seja inserida mais uma competência no mapeamento e escolha de conselheiros: a diversidade LGBTQIA+.
Em um país no qual temas de Recursos Humanos não são tratados em alguns conselhos, pois se trata de “tema de gestão”, o desafio é enorme. Mas não nos deixemos levar pela imponência da tarefa. Em tempos de ESG, consumidores e investidores irão cada vez mais apurar o seu gosto e as condições para fazer negócios e para investir em empresas.
Quem não estiver ligado, irá perder mercado. Ou perder recursos advindos de investidores. Ou os dois. A questão está posta. A mim parece que, em tempos de ESG, é a coisa certa a fazer. Aos que pensam que o personagem retratado como conselheiro neste artigo não existe e que tal situação é fantasiosa, lamento desapontar esses leitores. Este conselheiro sou eu.
Fonte: IBGC. Acesso em: 12/07/2021.