A Lei 14.151/2021, publicada em 13 de maio de 2021, trouxe a obrigação do empregador de afastar a empregada gestante durante a emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus, ficando à disposição, em seu domicílio, para exercer teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, quando possível.
Tal afastamento vem ao encontro de orientações apresentadas pelo Ministério da Saúde que inseriu a gestante no grupo de risco e do Ministério Público do Trabalho através da Nota Técnica 01/2021 do GT Nacional COVID-19.
Porém, há a necessidade de serem observados certos pontos sobre a referida norma, sobretudo por tratar-se de uma lei enxuta, com apenas dois artigos e que trouxe vários questionamentos acerca de sua aplicação.
A primeira grande questão diz respeito ao tempo de duração de tal medida de afastamento, já que, ao contrário das Medidas Provisórias e Leis publicadas no ano de 2020, esta lei não limita seu período de vigência ao estado de calamidade pública, mas sim ao período que perdurar a emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, fato este que traz imensa insegurança jurídica, considerando que os cientistas já estão falando da necessidade de vacinação anual.
Superada este primeiro ponto, a Lei traz que a empregada gestante deverá permanecer afastada, o que torna, segundo o verbo utilizado, um dever do empregador a realização de seu afastamento, e não uma faculdade.
Da mesma forma, é necessária atenção ao final do artigo 1º, que dispõe que a gestante permanecerá afastada “sem prejuízo de sua remuneração”. Remuneração contempla salário e demais verbas salariais, mas a Lei é omissa sobre quem deverá arcar com o pagamento de tais valores.
Se a empregada consegue exercer devidamente suas atividades na forma de trabalho à distância, obviamente que a contraprestação existirá e a remuneração será devida. Porém, há casos em que o exercício das funções não é possível, por exemplo, quando a atividade é puramente presencial, o que gera um debate sobre quem será o responsável por assumir o pagamento da remuneração.
Sobre tal fato, surge a seguinte questão: seria razoável atribuir ao empregador essa responsabilidade, considerando o risco do negócio e o cenário de pandemia que está enfrentando?
Neste sentido, necessário observar o que traz a Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata sobre Amparo à Maternidade e ratificada pelo Brasil, atingindo status de norma surpralegal, trazendo em seu 4º, item 08, que “em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega”. Assim, não se vê como justo e nem razoável que o empregador venha a ser o responsável para a realização do pagamento da referida remuneração.
Como solução desse entrave, uma das hipóteses versa sobre a ampliação do auxílio-maternidade para o caso, como ocorre nas situações em que a gestante trabalha em ambiente insalubre, conforme previsto no artigo 394-A da CLT. Ocorre que o grande problema reside na fonte de custeio, vez que o sistema previdenciário se baseia no Princípio da Precedência das Fontes de Custeio.
Outra hipótese alternativa seria a realização do pagamento por parte empregador, com a possibilidade de serem compensados tais valores nos recolhimentos previdenciários a que é obrigado. Porém, como dito, são apenas suposições que foram levantadas, visto que ainda não há qualquer embasamento legal autorizando ou possibilitando a prática.
Dúvida também debatida sobre a matéria se dá em relação se as gestantes domésticas, as quais exercem função puramente presencial, e as gestantes que se encontram em contrato de experiência, teriam esse direito garantido. Neste sentido, importante considerar que a Lei não excepcionou qualquer categoria da possibilidade de aplicação do afastamento, devendo a norma ser aplicada em sua totalidade, inclusive nas funções que são exercidas de forma exclusivamente presencial.
Outro ponto passível de questionamento se dá sobre o procedimento a ser adotado com relação às empregadas gestantes que já se vacinaram. A Lei, mais uma vez, não traz expressamente como se dará o tratamento em tais casos e, com isso, por não haver exclusão, o afastamento é visto como medida que também deverá ser aplicada, salvo se advierem normas definindo tratamento diverso.
Importante considerar também que há alternativas ao empregador para tratar sobre tais questões, como a suspensão do contrato de trabalho e antecipação de férias, advindas através das Medidas Provisórias de nº 1045 e 1046, as quais não excluem a gestante da aplicação destas possibilidades.
Com isso, considerando-se que se trata de Lei nova, possuindo apenas dois artigos e com diversas omissões e lacunas, torna-se nítido que será necessária a edição de normativas para tratar especificidades advindas com tal matéria, de forma a sanar os questionamentos e dúvidas que com ela surgiram.
Este material foi elaborado para fins de informação e debate e não deve ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
Janaína Cardia (janaina@gomesaltimari.com.br)
Gabriela Forin (gabriela.forin@gomesaltimari.com.br)