Se por um lado o provedor de hospedagem não está obrigado a fazer análise prévia do conteúdo postado ou fornecer, sem decisão judicial, dados dos usuários, por outro lado não tem legitimidade para substituir o magistrado na análise de indícios de ocorrência de ilícito, opondo-se a cumprir ordem judicial.
O argumento é da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao criticar a relutância do Twitter em fornecer dados cadastrais e IPs de seis usuários ao ex-governador Geraldo Alckmin. Por causa da “efetiva resistência”, o colegiado ainda aumentou os honorários de sucumbência de 18% para 20% do valor da causa.
O caso teve início em 2016, quando Alckmin ainda era governador de São Paulo. O político diz ter sido ofendido por esses usuários, que o chamaram, entre outras coisas, de “ladrão de merenda”, “nazifascista” e “inescrupuloso”. O objetivo de conseguir os dados é, em um segundo momento, ingressar com ação contra cada autor das publicações.
Houve liminar favorável à exibição dos dados, mas o Twitter recorreu. Monocraticamente, o desembargador Teixeira Leite chegou a suspender os efeitos da decisão. Porém, a liminar foi restabelecida, obrigando o Twitter a enviar os dados dos seguintes usuários: Betelgeuse (@prof_fabio666), Alexandre de Moraes (@alemoraesduarte), Usuário CPTM e Metrô (@UsuarioCPTM), Paulo de Lima (@PAULAO777), Carlos M. Heraclio (@carlosmheraclio) e CaduLorena (@cadulorena).
Por considerar que esses usuários utilizaram expressões que, ao menos em tese, podem configurar dano moral, a sentença confirmou a liminar e fixou multa em caso de descumprimento. Na sentença, o juiz ainda criticou a postura da rede social.
“O Twitter, em verdade e muito de perto, tangencia a litigância de má-fé ao invocar teses que já sabe ou no mínimo deveria saber infundadas, notadamente por conta das condenações que ostenta em casos análogos”, afirmou o juiz Guilherme da Cruz.
Novamente, o Twitter recorreu, alegando que a vedação ao anonimato não é suficiente para determinar o fornecimento de dados sigilosos. Além disso, afirmou que não foram apontados indícios de ilícito em relação a um dos usuários.
Ao julgar a apelação, a 4ª Câmara de Direito Privado não apenas manteve a sentença como voltou a criticar a rede social, afirmando que não cabe a ela substituir o papel do Judiciário sob o fundamento de violar a liberdade de expressão e a privacidade de seus usuários. “Cabe ao juiz avaliar a presença dos requisitos legais”, afirmou o desembargador Alcides Leopoldo, relator.
“Não houve determinação de remoção do conteúdo, e nenhum prejuízo adveio ao exercício das atividades da apelante, ou mesmo a reputação de seus serviços que não podem ser desvirtuados para práticas ilícitas”, complementou.
O relator explicou que, conforme o artigo 22 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), o político tem no caso o direito às informações dos usuários. “O autor sentiu-se ofendido pelos tweets dos usuários indicados, que atribuem a ele práticas improbas no exercício de seu mandado, assistindo-lhe, assim, o direito de conhecer a identidade real de seus detratadores, para, querendo, exigir a reparação ou retratação no mundo físico, o que somente é possível por meio das informações pretendidas”.
1112509-86.2016.8.26.0100
Fonte: Conjur. Acesso em: 21/02/2019.