Os videogames merecem ser compreendidos como obra intelectual, produto da livre manifestação de pensamento de seus criadores, protegidos pela Constituição Federal no âmbito das liberdades de expressão e de criação. Com esse entendimento, o juiz André Gomes Alves, da 14ª Vara Cível de Brasília, negou pedido de liminar para proibir a circulação do jogo eletrônico Bolsomito 2k18.
A ação civil pública com pedido de tutela de urgência foi ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal cotra a desenvolvedora Valve para que ela parasse de comercializar o jogo e fornecesse dados cadastrais e financeiros do desenvolvedor do aplicativo BS Studios.
De acordo com o MP-DF, o jogo “viola o direito da personalidade Presidente eleito da República Federativa do Brasil, pelo que gera danos em ricochete a todos os brasileiros e expõe o país de forma negativa no cenário internacional”. Argumenta também que o jogo “viola direito da personalidade de mulheres, LGBTs, negros, integrantes de movimentos sociais, parlamentares federais e estaduais e fomenta ódio em relação às minorias”.
Ao julgar o caso, o juiz citou jurisprudência da Justiça Federal de Minas Gerais sobre proibição da comercialização de jogos. No caso apresentado, o relator havia afirmado que os jogos eletrônicos merecem a proteção do artigo 5º, inciso IX, da Constituição, “a indicar que tais são qualificadas manifestações do pensamento de seus criadores, não comportando a censura deliberada de seu conteúdo”, escreveu Alves.
“Tratando-se de uma garantia essencial ao Estado Democrático, a intervenção judicial nessa dimensão jurídica deve ser sempre comedida, ressalvada a hipótese de tutela dos próprios mecanismos de liberdade de expressão”, disse. “Nesse cenário o controle judicial de conteúdo é extraordinário, como também o é a revisão de tempo e espaço de qualquer publicação intelectual, sob pena de esvaziamento da norma constitucional”, concluiu.
Para André Gomes Alves, não há elementos suficientes para acolher o pedido do MP, uma vez que a perícia nos autos não ajuda a compreender o que se passa no aplicativo. De acordo com a sua decisão, o jogo tem aparência de ser uma “espécie de sátira” para “fazer troça com a política local”.
“Do pouco que há nos autos, o jogo parece ser obsceno, descuidado, de extremo mau gosto e com pouca ou nenhuma agudez de argumento. Ocorre que o exagero, a distorção, a desarmonia e o ridículo são elementos próprios da comédia, geralmente da comédia ruim, como já indicava Aristóteles em sua poética”, disse.
A decisão foi divulgada pelo portal Observatório do Marco Civil da Internet, do advogado Omar Kaminski, que considera o entendimento acertado na altura do processo. “A quebra de sigilo dos dados cadastrais foi negada e prevaleceu a liberdade de expressão, direito constitucional assegurado também no Marco Civil, que considera um direito fundamental na disciplina do uso da internet no Brasil, juntamente com a privacidade e a neutralidade de rede”, comentou Kaminski.
ACP 0735711-26.2018.8.07.0001
Fonte: Conjur. Acesso em: 06/12/2018.