A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu que o ex-cônjuge que tem direito à parte das cotas de uma empresa adquiridas durante o casamento também deve receber a parcela proporcional dos lucros e dividendos distribuídos até o pagamento dos haveres.
No caso em questão, um homem, casado em regime de comunhão parcial de bens até fevereiro de 2018, buscava receber a meação referente às 3,8 mil cotas da empresa da ex-mulher, de ativos imobiliários. O STJ confirmou que ele tem direito não só às cotas, mas também aos lucros gerados desde a separação de fato até a efetiva quitação do valor apurado.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, após o fim do casamento o ex-cônjuge não sócio passa a exercer o papel de “sócio do sócio”: recebe a parte patrimonial que lhe cabe, mas não participa da gestão da empresa. O recebimento continua até a apuração de haveres, procedimento que calcula o valor real das cotas e define quanto deve ser pago ao ex-cônjuge.
“Enquanto os haveres não forem efetivamente pagos, o direito do ex-cônjuge sobre os lucros e dividendos permanece, na proporção da sua meação”, afirmou a ministra.
Direito aos proventos
A advogada Patricia Novais Calmon, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, avalia que a decisão reforça que a separação de fato põe fim ao regime de bens, mas não elimina o direito aos frutos das cotas adquiridas durante o casamento.
“Após a separação, as cotas passam a ser tratadas como um condomínio. Nesse contexto, o ex-cônjuge é considerado um ‘cotista anômalo’: não participa da administração da sociedade, mas mantém direito ao valor econômico das quotas. Por isso, os lucros e dividendos distribuídos até a apuração definitiva dos haveres também devem ser partilhados”, explica.
Segundo ela, essa interpretação evita o enriquecimento sem causa e aplica o que prevê o art. 1.660, V, do Código Civil, sobre a comunicabilidade dos frutos. A advogada acrescenta que o entendimento é reforçado pelo Projeto de Lei 4/2025, que trata da reforma do Código.
“O PL 4/2025 pretende explicitar ainda mais essa regra, ao incluir no art. 1.660 incisos específicos sobre dividendos, remunerações e até mesmo a valorização das quotas ocorrida durante a união, reforçando a necessidade de se estreitar o diálogo entre o Direito de Família e o Direito Empresarial”, analisa.
Ela ressalta que o entendimento do STJ pode ter impacto relevante na partilha de bens em divórcios que envolvem participação societária, pois, segundo ela, altera a própria forma de se encarar a divisão patrimonial.
“Não se trata apenas de dividir o valor das cotas sociais, mas também de garantir que o ex-cônjuge receba a parte proporcional dos rendimentos gerados por elas até a liquidação. Isso dá muito mais concretude à proteção patrimonial do cônjuge não sócio e cria um cuidado adicional na apuração de haveres”, afirma.
Balanço de determinação
Patricia Calmon destaca que o STJ reafirmou que essa apuração deve ser feita exclusivamente pelo balanço de determinação, nos termos do art. 606 do Código de Processo Civil – CPC, o que afasta outras metodologias como o fluxo de caixa descontado.
“Esse ponto se conecta com o projeto de reforma do Código Civil, que propõe incluir no art. 1.660, VI, a regra de que salários, dividendos e proventos do trabalho entram automaticamente na comunhão. Ou seja, a reforma pretende deixar expresso na lei aquilo que hoje ainda gera controvérsia: se estes rendimentos fazem parte ou não do patrimônio partilhável”, pontua.
A especialista esclarece que casais que possuem cotas em empresas devem adotar cuidados tanto no momento da união quanto na dissolução, a fim de evitar litígios como esse.
“O ideal é que esses casais se previnam em dois momentos. Durante a união, é importante pensar no regime de bens e também ajustar o contrato social da empresa, prevendo como será a sucessão, a entrada de cônjuges e a forma de apuração dos haveres. Já na dissolução, quanto mais rápido se formalizar a partilha e se apurar os haveres, menor o risco de litígio, porque a demora mantém o estado de condomínio e amplia discussões sobre frutos pendentes”, explica.
E acrescenta: “A proposta de reforma do Código Civil deixa claro que o legislador pretende positivar a comunicabilidade dos direitos patrimoniais sobre quotas e ações (art. 1.660, VII) e até da valorização ocorrida durante a constância do casamento (art. 1.660, VIII). Isso mostra que a jurisprudência do STJ está alinhada com a tendência legislativa de conferir máxima proteção ao cônjuge não sócio, reforçando a previsibilidade e a segurança jurídica nesse tipo de partilha”.
Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM