Riscos climáticos e custos da inação em cenários de aumento da temperatura global começam a fazer parte da agenda econômica do governo. A frequência e intensidade de desastres ambientais, como os causados por enchentes como a do Rio Grande do Sul, que além dos efeitos trágicos para a população levaram a prejuízos estimados em R$ 100 bilhões, tornam urgente a criação de um orçamento para o clima.
O problema é superlativo, em todos os sentidos. Só em transição energética e adaptação climática, os investimentos anuais estimados para o setor elétrico a partir de 2030 superam R$ 70 bilhões, valor que inclui contratações de energia em caso de escassez nas hidrelétricas, decorrentes de secas; investimentos das distribuidoras para fortalecer as redes; e subsídios para a geração eólica.
“Isso significa mais de 20% de aumento de tarifa. O pobre não vai conseguir pagar, então temos que arrumar outra maneira via recursos para adaptação”, disse Edvaldo Santana, consultor, colunista do Valor e conselheiro independente do Instituto Clima e Sociedade, no evento “Rumos 2025”.
No debate sobre finanças climáticas, Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), enfatizou a necessidade de garantir que a transição não amplie as desigualdades sociais brasileiras. O quadro atual, segundo ele, requer medidas efetivas para manter a matriz elétrica com 94% de fonte renovável, já que a cada 10 anos a quantidade de água para as hidrelétricas diminui em relação aos 10 anos anteriores.
Nos demais setores, a urgência é semelhante. Nos últimos 10 anos, perdas causadas por eventos climáticos no país superaram R$ 320 bilhões, 90% impactando diretamente a agricultura. No mundo, somente em 2024, o número atingiu US$ 368 bilhões. Os valores tendem a crescer se nada for feito, afirmou Dyogo Oliveira, presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). “Há mais enchente, seca, incêndio, geadas e com impacto maior. Antes, aconteciam a cada 100 anos, agora acontecem a cada 10 anos”, disse.
Mesmo diante de tais turbulências, os seguros climáticos no Brasil ainda são incipientes. Do total da perda estimada com as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, de R$ 100 bilhões, o setor de cobriu apenas R$ 6 bilhões. Na área agrícola, só 6% tinham seguro.
A gravidade do cenário atual levou o governo a integrar critérios ambientais à política fiscal e ao planejamento nacional de longo prazo, adotando a agenda transversal ambiental no plano plurianual 2024-2027. Nela, estão identificadas ações que contribuem para mitigação, adaptação, proteção e conservação da biodiversidade, gestão de risco, de desastres hídricos e da zona costeira.
“O nosso trabalho foi mapear os ministérios com iniciativas voltadas para cada uma dessas ações, todas elas com indicadores e metas de acompanhamento, que institucionalizam o compromisso do país com a área ambiental”, disse Virgínia de Ângelis, secretária nacional de Planejamento do Ministério do Planejamento e Orçamento. Para que tudo saia do papel, no entanto, é preciso conectar os planos com o orçamento nacional.
Nesse sentido, a secretaria vem trabalhando em uma metodologia para identificar e classificar os gastos climáticos, permitindo quantificar e monitorar os investimentos. “É importante para a transparência, responsabilização e para identificação de ganhos de eficiência e de ações que se sobrepõem”, disse. O orçamento climático, segundo Ângelis, é prática já adotada por dois terços dos países da OCDE, inclusive os da América Latina e Caribe, como México, Colômbia, Chile, Costa Rica e Jamaica. Atualmente, na Lei Orçamentária de 2024 foi possível identificar cerca de R$ 19 bilhões de gastos com a agenda climática, que subiu para R$ 29 bilhões após a aprovação. Para 2025, a previsão é de alta.
“Após a aprovação da LOA (Lei Orçamentária Anual) temos que fazer novo levantamento que vai avaliar se o orçamento está de fato direcionado para as prioridades pactuadas com a sociedade”, disse. Outra frente do Planejamento é a da criação de plataforma capaz de identificar para onde estão indo os recursos públicos direcionados a ações de adaptação e mitigação climáticas, permitindo quantificar e monitorar o gasto climático. E ainda o cálculo do preço da inação. Um dos itens é o do efeito sobre os preços dos alimentos.
Até porque, como ressaltado por todos os painelistas, o novo normal do clima é tanto mais volátil, quanto mais extremo. Gustavo Pinheiro, associado sênior do think tank de diplomacia climática E3G foi enfático. “Não é algo do futuro, mas vem sendo tratado como despesa extraordinária. Não está nas contas públicas. Só que a crise climática já se impôs como variável macroeconômica chave. No Rio Grande do Sul, dos R$ 100 bilhões de perdas, R$ 40 bilhões de despesas extraorçamentárias foram aprovadas fora do teto de gastos”, disse. Até quando tais gastos serão tratados como exceção e não como investimentos estratégicos é uma das questões.
Denise Hills, conselheira de empresas e especialista em sustentabilidade, abordou outro problema de financiamento ligado à questão climática, que é a saída de gigantes do mercado financeiro de alianças globais para se resguardarem de eventuais riscos de processos judiciais e litígios. “Parece assustador, não é? O que é interessante notar é que, a despeito dessa saída para se proteger de um processo, não significou que eles tenham retrocedido em suas metas individuais de sustentabilidade”, disse.
Não se trata de crenças, mas de materialidade. A seu ver, é um conceito tão material que se torna impossível fazer boa alocação de risco e de investimento sem considerar o impacto climático nos balanços financeiros. “Há volatilidade e retrocesso nos temais sociais, que é menor em mudança climática e emissão de carbono”.
Segundo ela, apesar da perda do advocacy, há fatores positivos, como a exigência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de que as empresas de capital aberto passem, a partir de 2027, a informar em seus balanços dados relacionados à gestão de riscos ESG (sigla para Ambiental, Social e Governança). A decisão aumenta a transparência.