A indústria automotiva mundial foi jogada no caos pelo novo regime de tarifas “draconianas” de Donald Trump, que, segundo calculam executivos do setor, deverá aumentar o preço dos veículos americanos, reduzir a produção no país e custar às montadoras até US$ 110 bilhões.
O anúncio do presidente, na quarta-feira (26) à noite, de que imporia uma tarifa de 25% sobre as importações de carros feitos no exterior desencadeou uma corrida para entender os detalhes da política e identificar possíveis isenções que possam aliviar o impacto na indústria.
“Estamos todos no mesmo barco”
Em poucas horas, ficou claro que todas as montadoras seriam afetadas, inclusive a Tesla e as chamadas “Três Grandes” dos Estados Unidos: General Motors, Ford e Stellantis. “Estamos todos no mesmo barco”, disse um alto executivo de uma montadora europeia.
As tarifas têm por objetivo impulsionar a indústria dos EUA, mas as ações da Ford e da General Motors (GM) chegaram a cair 4,4% e 8,2%, respectivamente, na manhã desta quinta-feira (27), em Nova York. A Ford fabrica menos veículos no México e no Canadá do que sua rival GM.
Ambas poderiam ter uma queda de 30% em seus lucros antes de juros e impostos em 2025, mesmo que aumentem os preços e reorganizem suas cadeias de suprimentos para usar mais peças fabricadas nos EUA, segundo estimativas de analistas da Bernstein.
Quase metade dos veículos vendidos nos EUA é importada, enquanto os montados no país têm, em média, 60% de seus componentes vindos do exterior.
“O pior cenário possível”
A Bernstein calcula que as tarifas podem gerar até US$ 110 bilhões em custos anuais para as montadoras. A medida, descrita por analistas e investidores como “o pior cenário possível”, “de mão pesada” e “devastadora”, não tem precedentes em sua escala e determinação, e frustra as esperanças da indústria de que Trump recuaria na escalada da guerra comercial.
A taxa de 25% será adicionada às tarifas já anunciadas por Trump sobre importações do México, Canadá e China. Entrará em vigor a partir de 2 de abril, junto com medidas de reciprocidade contra parceiros comerciais dos EUA que devem ser reveladas no mesmo dia.
“Certamente, é possível que vejamos as tarifas sobre alguns veículos importados de fora da América do Norte chegando a 40% ou 50% no total”, disse Dan Levy, analista do Barclays.
A tarifa também se aplicará a componentes essenciais dos carros, como motores e transmissões, e há estudos, segundo a Casa Branca, para que o imposto seja estendido para outras autopeças, se necessário.
O Bank of America estima que os preços de alguns veículos podem aumentar em até US$ 10 mil e as vendas de automóveis nos EUA, cair em até 3 milhões de unidades, o que representa quase 20% do total de 15,9 milhões de veículos vendidos em 2024.
“A preocupação é até que ponto nossos produtos fabricados nos EUA serão acessíveis e as implicações disso na demanda”, disse John Elkann, presidente da Stellantis.
“Confusão” na cadeia de suprimentos
Se as tarifas forem aplicadas na próxima semana, a firma de análises de mercado Cox Automotive prevê que o estado de confusão na cadeia de suprimentos poderia levar a uma desestabilização da produção de veículos na América do Norte já em meados de abril, com a produção diária caindo para 20 mil veículos, cerca de 30% menos do que agora.
Se os custos forem repassados para os consumidores e os preços dos veículos se tornarem muito altos nos EUA, as montadoras podem optar por vender mais carros em outros mercados. Mesmo antes do anúncio de Trump, uma montadora de “médio porte”, que fabrica veículos no México, já considerava reduzir as vendas para os EUA e passar a vender mais na América Central, segundo uma fonte a par dos planos.
“Esses carros não vão conseguir ser vendidos de jeito nenhum nos EUA”, se tivermos que aumentar o preço em 25%, disse a fonte.
A Tesla, de Elon Musk, seria a mais bem posicionada entre as montadoras dos EUA, pois tem uma forte base de produção no país, embora seus veículos elétricos (VEs) também usem muitas peças estrangeiras. Um dos pontos de maior confusão quanto à medida está relacionado aos carros e autopeças que cumprem as regras do acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), assinado em 2020.
Planos para repasse ao consumidor
De início, Trump concedeu uma isenção temporária de 30 dias para veículos e componentes que atendem às normas do USMCA. Esses produtos permanecerão livres de tarifas, mas apenas até que um processo seja estabelecido para tributar o conteúdo não americano, segundo um funcionário do governo dos EUA.
“Não está claro que tarifas se aplicam a quê. Nem tudo está no decreto executivo”, disse uma fonte de uma fabricante europeia de autopeças, destacando também a ambiguidade em relação às peças que estão em conformidade com o USMCA.
As fabricantes de autopeças advertiram que não conseguirão absorver as tarifas e que planejam repassar esse custo adicional para o consumidor de forma proporcional, acrescentou a fonte.
Marcas de luxo
Marcas de luxo do Reino Unido e de outros lugares da Europa, como Porsche, Jaguar Land Rover e Bentley, estão expostas, já que não possuem instalações produtivas nos EUA. Por outro lado, várias delas têm mais espaço para que seus clientes absorvam os aumentos de preços. Nesta quinta-feira, a Ferrari anunciou planos para elevar os preços de alguns de seus modelos em até 10%, e manteve suas metas financeiras para 2025.
“O verdadeiro golpe será sofrido pelas marcas japonesas, sul-coreanas e alemãs de altos volumes, voltadas ao mercado de massa”, disse um consultor especializado no setor.
BMW e Mercedes-Benz, da Alemanha, já não estão em conformidade com o USMCA, uma vez que seus veículos produzidos nos EUA ainda usam vários de seus motores e transmissões trazidos da Europa, segundo a Morningstar.
Montadoras do Japão
As montadoras do Japão provavelmente terão um forte impacto, uma vez que enviaram quase 1,4 milhão de veículos, no valor de US$ 40 bilhões, para os EUA em 2024, mais do que qualquer outro país, a não ser o México — onde são as maiores produtoras.
Em termos gerais, os analistas apontam a Mazda e a Subaru como as mais vulneráveis, porque dependem muito de conteúdo feito fora dos EUA para carros montados nos EUA. Já a Mitsubishi Motors não produz nos EUA.
“Não há uma direção clara”
Seiji Sugiura, analista do Tokai Tokyo Intelligence Laboratory, estima um impacto de US$ 23,7 bilhões nas sete maiores montadoras do Japão e acredita que as tarifas jogarão a Nissan e a Mazda no vermelho, a menos que adotem contramedidas, como aumentos de preços.
Antes do anúncio da nova tarifa, o novo executivo-chefe da Nissan, Ivan Espinosa, disse que a situação é “muito difícil de lidar, pois não há uma direção clara”. A empresa estuda diversos cenários para poder “estar pronta assim que tiver alguma clareza sobre o que está por vir”, acrescentou.