O interesse na temática ESG (sigla para questões ambientais, sociais e de governança corporativa) aumentou e, com ela, também houve uma expansão do diálogo sobre governança corporativa (o “G”). Para entender melhor como esse tema é abordado pelas pessoas, a LLYC, consultoria empresa global de Marketing e Assuntos Públicos, escolheu a “governança” como recorte para seu segundo estudo “ESG Compass”, de 2024.
Intitulada “Governança sob pressão”, a pesquisa identificou um aumento de 29,2% de menções a temas de governança corporativa nas redes sociais , blogs e sites de notícias desde a publicação de seu último relatório, em 2022. Nos últimos 25 meses (2023 e 2024), a LLYC mapeou um total de 518.124 menções à governança, vindas de 786 comunidades. Também foram identificados 76.785 perfis que falam sobre o assunto.
Para Anatricia Borges, diretora ESG na LLYC e uma das autoras do estudo, esse aumento do interesse das pessoas, puxado pelas notícias de imprensa, pelo tema é positivo, por democratizar mais o termo.
“Embora a gente tenha 53% das menções classificadas como positivas, cresce o número de perfis nas redes falando sobre a temática”, diz, ao citar dado da análise de sentimento das conversas e notícias, que consta no estudo.
Cerca de 53,3% das menções à governança são positivas, 40% são negativas e 6,7%, neutras. “O sentimento é negativo por conta da interpretação do que é governança e o comparativo do que a empresa tem como narrativa e qual é o impacto dela na sociedade”, diz Borges.
Não é incomum ver casos de “washings”, ou seja, divulgação e propagação de práticas, projetos, ações e produtos que não são tão sustentáveis (greenwashing) , inclusivos (socialwashing) e de baixa emissão de carbono (carbonwashing) como as empresas, marcas, governos e pessoas divulgam. Segundo o documento, isso também pode estar influenciando para que as pessoas tenham percepção negativa sobre temas de governança corporativa e ética nas decisões empresariais.
Borges explica que, por ser ainda um tema pouco conhecido pela sociedade civil, ele começa a ser muito falado nas redes, e, a partir do momento em que fica mais exposto, alguns perfis e comunidades podem se apropriar dele para direcionar suas narrativas.
“O que faz com que dentro de uma sociedade onde a gente tem uma polarização grande, uma desinformação, a gente detectou menções que levam a fake news de ESG. E do termo governança”, comenta.
Segundo a diretora, a discussão mais aprofundada ainda está restrita ao público de investidores, altos executivos, conselheiros e reguladores. A grande maioria das pessoas só está aprendendo agora o vocabulário de governança. É pequeno, porém crescente, o grupo dos que começam a fazer associações, e se aprofundar nas sub temáticas, como, por exemplo, a questão da inclusão nas empresas, da equidade de gênero e do trabalho digno.
“Ao mesmo tempo em que houve a democratização do termo, a gente percebe também que ele não está sendo [bem] interpretado por boa parte das comunidades e perfis, porque esse termo ainda não é palatável para a sociedade civil”, comenta Borges.
Porém, dá para ver o copo meio cheio. O estudo também aponta que as práticas de governança corporativa podem levar as empresas a não caírem no greenwashing. Empresas que se movimentam para ter relatórios, indicadores, uma gestão e relação com seus stakeholders, uma estratégia de comunicação muito mais coletiva podem sair na frente.
Além disso, o relatório destaca a oportunidade de as empresas dialogarem com seus stakeholders, especialmente clientes e a imprensa, narrar didaticamente o que elas fazem, demonstrar quais são os seus desafios e riscos. Isso, na opinião da executiva da LLYC, melhora o relacionamento com esses públicos, pode ter impacto na reputação da marca e ser instrumento para mitigar possíveis crises na comunicação. Muito desse movimento está sendo puxado pela legislação e pressão social em prol de uma economia, operações e relações mais sustentáveis e responsáveis.
“Na transição para o capitalismo consciente, as empresas estão mais transparentes na demonstração dos seus indicadores. Ao mesmo tempo, porém, essa governança precisa caminhar porque há um grupo de consumidores, clientes, da cadeia de valor que está exigindo mais mais consciência social e ambiental, ética e contrapartidas”, diz Borges.
O estudo da LLYC traz ainda o tema da governança é majoritariamente associado ao universo corporativo pelos perfis de redes sociais, comunidades, blogs e noticiário. Poucos falam sobre governança no setor público. Entre os subtemas mais recorrentes nas conversas são transparência, integridade, ética e compliance.
“Ética é o assunto mais importante da humanidade”, comenta Edson Barbero, professor dos cursos “Stakeholder e ESG” e “Ética em Negócios”da Fundação Instituto de Administração (FIA), “Os resultados da pesquisa são notórios: a população não quer mais o tipo de empresa que culturalmente construímos por volta dos anos 1960 com a chamada ‘teoria da firma’. Queremos, agora, empresas que eticamente contemplem as legítimas demandas de todos os stakeholders”, completa. Para o professor, a principal preocupação preconizada pelo estudo “gira em torno da Ética Empresarial”, uma vez que integridade e compliance são relacionados à ela.
Na classificação de citações sobre o território ética, segundo o estudo, 68% se referem a questões ambientais e 32% a sociais.
Barbero conta que a ética foi historicamente apartada do debate corporativo, exceto por menções superficiais ou comentários que a associam tão-somente ao compliance, no período em que a mentabilidade empresarial de resultados financeiros acima de qualquer coisa.
“Esta mentalidade desafortunadamente levou, com louváveis exceções, a gerações de gestores insensíveis às dores humanas; talvez por isso hoje ressaltamos tanto objetos como empatia, capitalismo consciente, segurança psicológica, saúde mental etc.”, pontua. Por isso, o resgate da ética e da pressão para que as companhias sejam pautadas por equidade, trabalho digno e inclusão, e que tenham mecanismos onde se possa acusar desvios, como os canais de denúncia efetivos,, é bem-vindo em sua opinião. “O estudo mostrou isso: ouça a sociedade!”
O número de comunidades e ativistas cresceu 37% no território da ética. De acordo com o estudo, há uma tendência de boicote e influência nas compras.
O professor da FIA não vê surpresa no fato de a ascensão do ESG somada à pujança das mídias sociais e os malefícios por vezes causados por empresas geraram repercussão popular ao tema governança. “As empresas são entidades socioeconômicas – não apenas estruturas geradoras de lucros. As pessoas vivem as empresas, não apenas compram produtos ou recebem pagamentos. As empresas inserem-se intrinsecamente na sociedade”, comenta. Ele defende que a ética seja colocada no centro da educação em negócios.