Embora os estabelecimentos com hospedagem paga sejam responsáveis pela segurança física e patrimonial dos seus hóspedes, eles não podem ser responsabilizados por fatos que não tenham relação direta com o serviço oferecido, nem para o qual não concorreram.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que os donos de uma pousada não devem indenizar os familiares de uma pessoa que foi assassinada no local.
O caso ocorreu em um parque aquático que fornecia chalés e cabanas para pernoite. Dois hóspedes discutiram, o que levou ao homicídio de um pelo outro. O estabelecimento não fazia revista pessoal, mas tinha monitoramento de algumas áreas e equipe de segurança.
Em primeira instância, a conclusão foi de que a pousada falhou no dever de oferecer segurança ao permitir que um dos hóspedes entrasse armado no estabelecimento. Assim, teria contribuído para a ocorrência do dano.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, porém, afastou a responsabilidade por entender que o homicídio não se inseria no risco do negócio hoteleiro. Assim, considerou que o episódio foi causado por culpa exclusiva de terceiro.
Nessa mesma ação, o autor do homicídio foi condenado a pagar indenização por danos morais aos parentes da vítima. Nesse ponto, não houve recurso. A discussão se limitou à responsabilidade do estabelecimento hoteleiro.
Código Civil
Relatora da matéria no STJ, a ministra Nancy Andrighi entendeu que a pousada deve responder pelos danos causados pelo crime, com base nos artigos 932, inciso V, e 933 do Código Civil.
A norma diz que são responsáveis pela reparação civil os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro. Ainda que não haja culpa de sua parte, devem responder pelos atos praticados por terceiros.
Dessa forma, ainda que o homicídio seja caracterizado como fortuito externo, o que afasta a responsabilidade prevista no Código de Defesa do Consumidor, o estabelecimento tem de responder pelos danos com base nas regras do Código Civil.
Palco do crime
Abriu a divergência vencedora o ministro Moura Ribeiro, para afastar a condenação da pousada. Votaram com ele os ministros Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.
Para Moura Ribeiro, embora os donos de hotéis e pousadas sejam responsáveis pela segurança física e patrimonial dos seus hóspedes, a extensão dessa obrigação deve depender do contexto específico de cada caso. Logo, não se aplica automaticamente a previsão do Código Civil.
“Uma cláusula geral que estipula uma obrigação objetiva de indenizar pelo simples fato de a atividade econômica ser voltada ao serviço hoteleiro me parece incompatível com o nosso sistema, pois a hotelaria não se enquadra como ‘atividade perigosa’”, disse ele.
Segundo o ministro, o risco assumido pelo empresário é somente aquele que, por sua natureza, decorra do exercício do negócio. Se o acontecimento é estranho e externo, sem vínculo com o negócio em si, não é possível a responsabilização.
“Não se pode considerar como ‘própria’ à atividade de um parque aquático que faz locação de chalés e cabanas a tutela dos hóspedes quanto ao risco de lesão física por eventuais condutas advindas de outro hóspede”, afirmou o magistrado.
Soma-se a isso o fato de que havia equipe de segurança e monitoramento no local. A presença de mais vigilantes não seria suficiente para evitar o crime, pois não é factível que houvesse um segurança para cada hóspede, segundo Moura Ribeiro.
“Se a atividade desenvolvida (…) não criou esse risco e veio a ser palco de uma conduta imprevisível e despropositada, como no caso dos autos, em que o homicídio foi causado por uma discussão envolvendo cerveja, ou seja, totalmente alheia ao negócio de hospedagem, por óbvio que o estabelecimento não passou de mera ocasião para o evento danoso”, concluiu ele.