A 2ª seção do STJ decidiu que a demora em fila de banco para além de prazo previsto como limite em legislação local não gera, por si só, dano moral.
Após debates, não só jurídicos como filosóficos sobre a “perda do tempo”, os ministros, por maioria, fixaram a seguinte tese para o Tema 1.156:
“O simples descumprimento do prazo estabelecido em legislação para a prestação dos serviços bancários não gera, por si só, dano moral in re ipsa.”
Os ministros seguiram o voto do relator, ministro Villas Bôas Cueva.
No caso analisado, o juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido de indenização, por entender que a espera não acarreta, de plano, dano moral, dependendo de comprovação de violação de direitos. O Tribunal reformou a sentença, condenando o Banco do Brasil a reparar o autor, e admitiu IRDR sobre o tema, fixando tese.
Voto do relator
O relator do processo no STJ, ministro Cueva, decidiu afastar a indenização por danos morais. Para o ministro, a mera invocação de contrariedade à legislação municipal que estabelece o tempo máximo não é suficientemente apta a ensejar o direito à indenização, apesar dos transtornos e aborrecimentos suportados pelo consumidor, que fica, portanto, incumbido de demonstrar o dano concreto sofrido. Ele citou precedentes das 3ª e 4ª turmas nesse sentido.
Ele completou dizendo que a demora em fila de banco deve ser excessiva ou ser acompanhada de outros constrangimentos para ensejar direito à reparação, porque a espera, em regra, é mero desconforto, que não tem o condão de afetar direitos de personalidade, isto é, interferir intensamente no equilíbrio psicológico do consumidor do serviço.
“O mero transcurso do tempo, por si só, não impõe um dever obrigacional de ressarcimento por não configurar, de plano, uma prática abusiva a acarretar uma compensação pecuniária, como pressupõe a teoria do desvio produtivo, que considera a perda do tempo útil uma espécie de direito de personalidade irrenunciável do indivíduo.”
S. Exa. ainda citou o avanço tecnológico, e a possibilidade de realizar atividades bancárias de forma predominantemente virtual. “A vida tem seus contratempos, com os quais todos precisam lidar, e a modernidade tem buscado minimizá-los na medida do possível.”
Ele concluiu dizendo que admitir a indenização seria incentivo à judicialização, de modo a sobrecarregar ainda mais o já lotado Judiciário. Os ministros, por maioria, concordaram com o relator.
Divergência parcial – “Tempo é vida”
Ministra Nancy Andrighi apresentou divergência parcial. Ela iniciou seu voto fazendo considerações sobre o tempo como bem jurídico.
“O tempo como bem jurídico, grandioso como é, o tempo não pode ser considerado mero decorrer de dias, horas, minutos e segundos, mas representa efetivamente um período de vida por meio do qual podem ser realizadas diversas atividades, desde as comezinhas até as mais enobrecedoras. E o tempo é implacável. Durante sua inevitável passagem, evidencia-se a fragilidade do homem, porquanto o tempo que passou não mais retornará, e cabe ao ser humano, consequentemente, adaptar-se a essa incômoda realidade, desfrutando ao máximo do seu tempo presente enquanto ainda o tem.”
A ministra afirmou que as relações jurídicas não passam ilesas, sendo influenciadas por institutos jurídicos com nítida relação com o transcurso temporal, como juros, correção, prescrição. Diz, ainda, que o tempo desponta como valor jurídico, permitindo a tutela do direito ao aproveitamento livre do tempo pelos próprios indivíduos. “Tempo é vida.”
E citou Bauman, “que recorda que a vulnerabilidade nas sociedades modernas, marcada pela exposição das atividades da vida aos caprichos das forças do mercado, exige dos indivíduos a necessidade de perseguir seus propósitos existenciais, em condições de incerteza aguda e às vezes até irremediável”.
Nancy Andrighi apresentou ao colegiado precedentes envolvendo a reparação pelo desvio produtivo do tempo, e concluiu que a demora na prestação de serviços bancários gera, sim, dano moral in re ipsa em determinadas circunstâncias: quando excessiva, reiterada, associada a outros constrangimentos, ou quando evidenciada a hipervulnerabilidade do consumidor.
Assim, propôs tese que se assemelhava à do ministro Cueva no início, mas acrescentava estas circunstâncias nas quais o dano seria presumido.
Debates
Ministro Marco Aurélio Bellizze fez uma ponderação, colocando em debate que a complementação da tese, como proposto pela ministra Nancy, poderia dificultar a aplicação do entendimento. Se ficar em aberto, “o simples descumprimento”, caberá ao juiz decidir os casos de excesso. Mas, se as possibilidades compõem a tese, acabam por gerar questionamentos: quanto tempo é “prolongado”? Quantas vezes é “reiterado”? Que consumidor não é vulnerável?
Ministra Isabel Gallotti concordou, explicando que há circunstâncias excepcionais de demora em fila. “Me preocupa que estejamos a intervir no funcionamento das instituições financeiras.” Para ela, deve caber ao consumidor provar os excessos. Para Gallotti, a tese proposta pela ministra Nancy era perigosa, poderia gerar avalanche de ações e evitar a chegada de processos sobre o tema ao STJ.
Para o ministro Noronha, abrir caminho para a indenização pela demora culminaria em consequências em outros setores. “Ela não vai ficar apenas no sistema financeiro. Vai ter que chegar nos hospitais, postos de saúde. (…) Vivemos em um país assim. E se a gente não conhecer essa realidade, ou desprezar essa realidade, não vamos estar protegendo o consumidor, vamos proteger uma indústria da advocacia que está atrás disso.”
Após debates sobre ambas as teses apresentadas, os ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Isabel Gallotti e Antonio Carlos acompanharam a proposta de Cueva.