O primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) colocou em trajetória de queda os riscos fiscais da União no Judiciário, que até então estavam em alta e preocupam o governo principalmente a partir de 2027, ano em que todo o montante de precatório voltará a ser despesa primária.
Dados do anexo de riscos fiscais do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025 mostram que a exposição a risco do governo federal no Judiciário está em R$ 3,601 trilhões, ante R$ 3,758 trilhões ao final de 2022, queda de 4,2%. Esse movimento ocorreu pela última vez de 2019 para 2020, quando o risco caiu, mas depois voltou para a trajetória de alta.
O montante atual ainda não considera o ganho da União com a tese previdenciária da revisão da vida toda, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) este ano, já que os números foram fechados considerando resultados até o fim de 2023. Assim, ainda há R$ 480 bilhões a serem retirados das estatísticas fiscais.
“Nós decidimos colocar essa trajetória em queda e minha perspectiva é entregar, no primeiro mandato do presidente, essa curva apontando para baixo”, afirmou em entrevista exclusiva ao Valor o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias. “Não podemos falar de trajetória sustentável da dívida pública sem falar de um débito crescente que vai gerar pressão em cima do orçamento da União, que é a questão das dívidas judiciais.”
O ministro destacou que a AGU tem por estratégia priorizar a realização de acordos quando não é possível vencer os processos na integralidade. “Às vezes, é mais barato reconhecer os direitos, ainda na fase administrativa, do que transferir o balcão da decisão para o Judiciário. Houve governos que preferiram trocar o orçamento por precatório”, criticou.
Ainda segundo o ministro, além de tentar as vitórias nos julgamentos, existem estratégias “menos óbvias”, como os acordos. “Eu brinco que aqui na AGU eu não perco nunca. Ou eu ganho ou faço acordo”, disse.
Apesar da melhora nos números, especialistas afirmam que ainda há riscos no cenário, já que as despesas primárias com precatórios estão em trajetória de alta. Até 2027, o governo ganhou um “waiver” do STF na ação que declarou inconstitucional o estabelecimento de um teto para precatórios em 2021, durante a gestão Paulo Guedes no Ministério da Economia. Assim, foi permitido que o governo Lula pague parte dos precatórios fora das regras fiscais até 2026
Grande parte do valor que se tornou risco remoto decorre de decisões tributárias favoráveis à União. Esse risco foi ponto de atenção do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, desde o início do ano, contando com atuação direta nos casos. Ele chegou a despachar com ministros em assuntos mais importantes, como no julgamento da correção do FGTS, ainda pendente de análise e com impacto estimado de R$ 295 bilhões, e no processo que envolvia mudanças na base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL nas subvenções do ICMS.
As ações judiciais contra a União são classificadas em três níveis de risco: provável, possível e remoto. O risco provável considera temas de eventual impacto financeiro igual ou superior a R$ 1 bilhão que tiveram decisões do STF e Superior Tribunal de Justiça (STJ) desfavoráveis à Fazenda. Já o risco possível abrange ações que já tramitam nos tribunais superiores, mas ainda não foram julgadas de forma definitiva – quando já há alguma decisão desfavorável por órgão colegiado, mas ainda cabe recurso. As demais ações são consideradas de risco remoto e não entram nos anexos de risco fiscal.
As ações de risco possível passaram de R$ 2,741 trilhões em 2022 para R$ 2,586 trilhões em 2023, queda de 5,7%. Já as de risco provável caíram de R$ 1,016 trilhão para R$ 1,015 trilhão, ligeira queda de 0,1%.
A classificação de riscos da União considera o momento processual – se um assunto está na primeira instância ou nos tribunais superiores, por exemplo, seguindo a orientação de uma portaria da AGU. É diferente do critério adotado pelas empresas em suas análises de risco e provisionamentos nos balanços, que consideram a chance de ganhar ou perder.
Os processos classificados envolvem casos com potencial para resultar em despesas diretas da União, os precatórios, como também processos em que o governo terá impacto na arrecadação futura projetada. Isso acontece, por exemplo, quando o governo não pode mais cobrar determinado imposto ou quando haverá compensação.
“Governo está conseguindo atuar para fazer valer as teses em favor do erário”
— Felipe Salto
Uma das reduções nas estimativas de impacto no ano passado ocorreu devido ao julgamento, pelo STF, que reconheceu a incidência de PIS e Cofins sobre receitas financeiras. O risco estimado em R$ 115,2 bilhões foi reclassificado para remoto. O mérito foi julgado em 2023 (RE 609096 e RE 880143).
Três temas bilionários que aguardavam decisão do STJ também foram reclassificados para remotos após julgamentos nos quais a União saiu vitoriosa. O principal foi o referente às subvenções do ICMS, de impacto estimado em R$ 47 bilhões. A decisão manteve benefícios fiscais relacionados ao imposto estadual na base de cálculo do IRPJ e da CSLL (REsp 1517492).
Também saíram do anexo de riscos fiscais as disputas sobre creditamento de PIS e Cofins na revenda de produtos submetidos à tributação realizada à alíquota zero (REsp 1894741), estimada em R$ 31 bilhões, e o reconhecimento de que o ICMS compõem a base do IRPJ e da CSLL no lucro presumido (REsp 1767631), de impacto estimado em R$ 2,4 bilhões.
Um dos principais temas que reduziu o impacto nas ações não tributárias foi o julgamento sobre a Reforma da Previdência (conforme a Emenda Constitucional 103, de 2019) no STF. A análise ainda não terminou – pode ser concluída na próxima semana -, mas alguns votos já levaram a União a estimar uma redução de impacto para R$ 497,9 bilhões, ante R$ 621,0 bilhões previstos ao final de 2022.
A conclusão de outro julgamento (ADI 7051) afastou um risco de impacto nessa ação, envolvendo o cálculo da pensão por cota familiar e por dependente. Outro motivo de redução foi uma mudança na metodologia de cálculo feita pela Ministério da Previdência Social.
Para autarquias e fundações públicas federais, o risco caiu em R$ 2,5 bilhões. Isso ocorreu devido ao julgamento sobre os juros compensatórios da desapropriação para fins de reforma agrária (ADI 2332), que limitou a 6% ao invés de 12%. A decisão transitou em julgado em 2023.
“A melhora nas estimativas de risco fiscal do PLDO revela que o governo está conseguindo atuar junto ao Judiciário para fazer valer as teses em favor do erário e da Constituição”, afirmou Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos. “Quanto aos precatórios, há que se desenvolver melhores sistemas de identificação dos fatores condicionantes desses gastos. O precatório não nasce por geração espontânea.”
O Executivo criou, em 2023, um comitê de riscos fiscais envolvendo a AGU e os ministérios da Fazenda e do Planejamento para acompanhar esses riscos fiscais. Em média, a AGU recebe 90 mil intimações por dia. A expectativa, nos próximos anos, é atuar de forma estratégica, inclusive com a possibilidade de propor alterações legislativas se necessário para deixar os riscos fiscais judiciais mais controlados ou, pelo menos, com maior previsibilidade.