Em meio a uma disputa jurisprudencial que opõe parte das turmas do Tribunal Superior do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal, a ministra Maria Cristina Peduzzi, do TST, afirmou que os magistrados devem “preservar” a jurisprudência do STF, “para garantia maior dos juridicionados”. Segundo ela, as decisões da Corte usam fundamentações que consagram a “liberdade econômica”.
“A tutela das relações de trabalho vem se transformando, e o Supremo tem captado o desenvolvimento tecnológico”, afirmou, citando ainda a transformação da natureza jurídica do vínculo empregatício no contexto das grandes empresas de tecnologia. A fala foi feita em um momento em que pelo menos duas turmas do TST têm se posicionado de forma contrária aos entendimentos do Supremo em duas questões: a existência de vínculo entre trabalhadores e aplicativos de entrega, e o uso da terceirização para cometimento de fraude trabalhista.
A ministra se pronunciou em um dos paineis do II Congresso Nacional da Magistratura do Trabalho, que acontece em Foz do Iguaçu. Os ministros Ives Gandra da Silva Martins Filho, Morgana de Almeida Richa e Evandro Pereira Valadão Lopes também debateram temas referentes à jurisdição social do Trabalho. O painel foi mediado pelo ministro aposentado Vantuil Abdala.
Para Peduzzi, os “precedentes têm impacto no Direito em meio às diferentes visões de mundo e os conflitos hermenêuticos”. No caso das fraudes trabalhistas, quatro turmas do TST reconhecem que a terceirização é ilícita em casos em que há explícita fraude no sentido de recontratar determinado funcionário por meio de constituição de Pessoa Jurídica, por exemplo. Grosso modo, é uma das nuances da “pejotização”.
Já no caso das plataformas digitais, houve duas decisões significativas neste ano que resultaram em uma “virada de jogo” na Justiça do Trablalho. Uber (Uber Eats) e Rappi foram condenadas, em decisões inéditas a partir de ações civis públicas do MInistério Público do Trabalho, a registrar todos os seus trabalhadores em conformidade com a CLT. Hoje, há quatro turmas (2ª, a 3ª, a 6ª e a 8ª) favoráveis ao reconhecimento de vínculo entre estes trabalhadores e os aplicativos, e três contrárias (1ª, a 4ª e a 5ª).
Em relação às terceirizações, o Supremo já reconheceu, em sede de repercussão geral, que é legal a terceirização da atividade-meio e da atividade-fim e, por meio de reclamações constitucionais, empresas têm derrubado decisões do TST e de outros tribunais do Trabalho que reconhecem o vínculo nestas situações. A maior parte da argumentação, como disse a ministra, é fundamentada por questões de aspecto econômico, como respeito à livre iniciativa e à liberade econômica, além dos precedentes já firmados pelo Supremo.
Parte da magistratura do Trabalho, como as quatro turmas do TST citadas, todavia, diverge dessa interpretação e argumenta que os empresários estão se arvorando em fraude trabalhista no momento em que contratam trabalhadores, com, na prática, todas as obrigações estipuladas pela Consolidação Geral do Trabalho (horário fixo, férias, subordinação, etc), por meio de suas respecitvas pessoas jurídicas.
Outra divergência é em relação à própria competência da Justiça do Trabalho, que foi esvaziada desde a promulgação da Constituição. Peduzzi diz que o TST é o principal órgão com a função de consolidar perspectivas jurisprudenciais do Trabalho, incluindo o “Direito Constitucional em matéria trabalhista”, mas que todas as decisões podem passar pelo crivo do Supremo.
“Apesar da clareza”, disse a ministra em relação às questões que envolvem supostas fraudes trabalhistas, há turmas do TST “que aplicam um distinguishing“. Ela ainda afirmou que os atritos de argumentações tem “propiciado um rico debate” sobre o tema.
No mesmo contexto, a ministra Morgana Richa citou a ascensão do Judiciário — e do Supremo Tribunal Federal — para destacar a importância das fundamentações julgadas. “O sistema de precentedes acerscenta uma outra dimensão do Supremo. O Tribunal não é mais uma Corte revisional”. Ela também citou os avanços tecnológicos que alteraram as relações de trabalho e, segundo sua percepção, tornaram determinadas normativas ultrapassadas.
“O Judiciário, com leis obsoletas, recorre aos precedentes.” A ministra argumentou, no entanto, que é difícil estipular uma interpretação única para as matérias. “Decisões do STF são formuladas para serem abertas, de um modo que é difícil a unificação de interpretação da tese.” Ela criticou os atritos entre o TST e o STF, os quais chamou de “diálogo de surdos”, que gera desgaste desnecessário.
Fonte: CONJUR