No episódio anterior do Empresa Familiar apresentamos as principais ferramentas aplicáveis ao planejamento sucessório e patrimonial, neste, iremos abordar especificamente a diferença entre a holding familiar e a patrimonial.
Holding ou também denominada holding familiar.
Podemos conceituar a holding como uma empresa, isto é, uma pessoa jurídica, cuja constituição possui como escopo facilitar e concentrar a administração de ativos do grupo, proporcionando melhor planejamento financeiro, jurídico e até o estratégico, todavia, tudo isso é feito sem interferir na operacionalização das empresas controladas.
Neste passo, a holding não é uma espécie própria de pessoa jurídica, na verdade ela é uma empresa constituída para participação societária em outra empresa. Tal possibilidade é prevista na Lei das S/A (Lei nº 6.404/76):
Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.
§ 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.
Assim, as holdings não só servem como uma figura representativa, mas elas possibilitam a concentração do núcleo da liderança empresarial, sendo ferramenta importante e muitas das vezes indispensável na administração de várias empresas de um mesmo grupo empresarial.
Explicado a função precípua e geral da holding é necessário esclarecer que elas são classificadas em duas formas:
- Holding pura: aquela que o objeto social é exclusivo para participação do capital em outras sociedades.
- Holding mista: aquela que além de participar do capital social de outras sociedades, atua na atividade negocial de maneira operacional através da realização de atividades empresariais. Inclusive, esse tipo é um dos mais comuns no Brasil.
Neste momento o leitor pode estar se questionamento e a “holding familiar”? A denominada holding familiar não é um tipo específico, mas a contextualização da ferramenta quando utilizada no âmbito da família empresária. Além dela, a qual será o objeto de enfoque no presente episódio, existem outras classificações feitas pelos estudiosos para empresas holding, tais quais: holding administrativa, holding de controle, holding de participação, entre outras.
Em síntese, a diferença da holding familiar é que seu uso será direcionado/voltado para servir ao planejamento dos membros da família empresária, levando em conta a administração de bens, a otimização fiscal, a sucessão dos membros e a organização patrimonial. Ou seja, a holding familiar nada mais é do que uma holding do tipo pura ou mista, o que de fato a distingue das convencionais e faz com que ela ganhe o sobrenome de “familiar” é o âmbito no qual a ferramenta será utilizada.
No momento da constituição da holding, os bens de relevância econômica poderão ser incorporados à holding, gerando uma concentração do patrimônio para facilitação do controle e organização. Por exemplo, no momento da sucessão não se discutirá a divisão do patrimônio, não obstante, haverá a sucessão das quotas empresarias – com a respectiva venda da quota parte e posterior pagamento ao herdeiro ou o ingresso na sociedade, conforme dispuser o contrato social.
Necessário frisar que a holding familiar “nasce” por meio de um contrato e por esse motivo os sócios ou acionistas ali envolvidos deverão deliberar como será seu funcionamento, isto é, qual será o seu objeto, como será a sucessão em caso de falecimento de sócios, etc. Contudo, convém lembrar que essa autonomia da vontade deve observar a legislação vigente, possuir finalidade lícita e não contrariar a boa-fé.
Nesse sentido, dado a relevância e seriedade desse contrato que constitui a holding, é válido chamar atenção para confecção do documento, o qual deve ser elaborado como uma peça personalizada à realidade e desejo da família empresária, tudo isso com fito de evitar conflitos futuros na sociedade. Isso porque a autonomia da vontade tem sido cada vez mais respeitada pelas autoridades, seja na esfera administrativa ou judiciária, ganhando força com a entrada em vigor da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/20). Portanto, a vontade das partes precisa ser de fato entendida e expressa com consciência no documento, fugindo, assim, dos “modelos” prontos.
Enfim, a constituição de uma holding familiar além de otimizar os custos devido as facilitações tributárias concedidas, bem como auxiliar na sucessão hereditária, ela também visa à proteção do patrimônio pessoal do sócio e da empresa. Existem inúmeras ocorrências que representam riscos, por exemplo, elas podem estar ligadas a quantidade de divórcios que resultam em divisão de bens a depender do regime adotado; podem também estar relacionadas a responsabilidade solidária de empresas as quais um sócio possa integrar, gerando penhora de valores em contas bancárias, apreensão de veículos, etc.
Como já tratamos anteriormente (episódio 2), a holding não blinda o patrimônio nem da empresa e nem dos seus sócios, visto que esse termo pode trazer a falsa ilusão que o patrimônio colocado ali seria inatingível, o que foge da realidade, até porque deste modo a ferramenta prejudicaria os credores de boa-fé e se tornaria ilegal. Apesar disso, pode-se afirmar que a ferramenta traz, sim, a proteção patrimonial.
Administradora de Bens Imóveis Próprios ou também denominada holding patrimonial.
Usualmente conhecida como Holding Patrimonial, também se trata de uma pessoa jurídica, a qual é constituída com o objetivo de gerenciar o patrimônio de determinado arranjo familiar, integralizando o patrimônio da pessoa física ou dos sócios patriarcas para promover o planejamento sucessório e tributário, com o objetivo de proteção patrimonial.
Desta forma, é possível distribuir os bens da pessoa física, o qual passará à pessoa jurídica, antes mesmo que os patriarcas venham a falecer. Tal possibilidade evita conflitos entre os sucessores, visto que o quinhão hereditário estará previamente definido mesmo antes do falecimento e de acordo com a vontade dos doadores, além do fato que a sucessão se facilitará, pois haverá a sucessão por meio das quotas empresariais.
Assim, todo o patrimônio da pessoa física ou dos sócios patriarcais será integralizado no capital social desta sociedade, ocorrendo posteriormente a transferência das quotas sociais aos herdeiros no próprio contrato social, mediante cláusula de doação bem como cláusulas restritivas de inalienabilidade, impenhorabilidade, incomunicabilidade e reversão.
Dessa maneira, evitam-se os desgastes financeiros e emocionais de um inventário que será mais célere e menos oneroso tendo em vista que estará organizada a sucessão de bens por meio da sucessão das quotas.
Importante ressaltar que após a integralização de bens os patriarcas terão o controle e gestão sobre a sociedade e seu patrimônio, sendo instituídos na sociedade como usufrutuários e administradores não tendo validade qualquer ato praticado sem a sua anuência.
Em razão da Administradora de Bens Imóveis ser constituída com o intuito de gerenciar o patrimônio de determinado arranjo familiar, os atos constitutivos deverão ter como objeto social a (i) compra e venda de imóveis próprios (6810-2/01), (ii) loteamento e venda de imóveis próprios (6810-2/01), (iii) administração de bens imóveis próprios (6810-2/02) e (iv) aluguéis de imóveis próprios, residenciais ou não residenciais (6810-2/02).
Com relação ao regime tributário que pode ser adotado pela chamada Holding Patrimonial, constituída com os objetos sociais acima descritos, poderá ser adotado o regime do lucro real, arbitrado ou presumido, consistindo o último no mais pertinente para este tipo de empresa.
A opção do regime tributário Simples Nacional é vedada para a Administradora de Bens Imóveis Próprios nos termos da legislação, exceto quando esta for constituída apenas com o objeto de compra e venda de bens imóveis. Contudo, esta opção não é viável ao passo que esta não poderá auferir renda proveniente de aluguéis.
Desta forma, não restam dúvidas com relação as diferenças de cada ferramenta, sendo tanto a Holding Familiar quanto a Administradora de Bens Imóveis Próprios ou a “Holding Patrimonial” importantes em seu próprio contexto, uma direcionada a organização empresarial e a outra ao patrimônio de bens imóveis, tornando-se indispensável a consulta de um time multidisciplinar para saber qual é a mais adequada para a empresa familiar.
Este material foi elaborado para fins de informação e debate e não deve ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
Carollyne Molina – carollyne@gomesaltimari.com.br
João Teixeira – joao.teixeira@gomesaltimari.com.br
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