No episódio anterior do Empresa Familiar tratamos sobre a relevância da Governança Corporativa para as empresas familiares. Neste momento da série vamos abordar dois instrumentos que auxiliarão na implementação de boas práticas de governança, sendo eles, o protocolo familiar e o acordo de acionistas.
Para explicar esses instrumentos nada melhor que lembrar uma frase dita com muita frequência no cotidiano “o combinado não sai caro”. Esse brocardo popular guarda muita verossimilhança quando estamos falando em relações societárias e familiares, já que os combinados precisam estar claros e formalizados por meio de instrumentos hábeis para tanto, a fim de proporcionar segurança e organização aos negócios, contribuindo para a maturidade da família empresária.
Trata-se de delimitar algo simples que é a diferença entre a expectativa e o combinado, já que somente é possível cobrar aquilo que existe em uma conformidade previamente estabelecida, isto é, o que estiver alinhado antes em um acordo entre as partes e por isso poderá ser reivindicado.
E nesse exato ponto entram o protocolo familiar e o acordo de acionistas. Primeiro precisamos entender que são documentos distintos e possuem finalidades diferentes!
O protocolo familiar é um acordo formal entre os membros da família empresária, o qual visa contar a história da família em todas as gerações, abrangendo os valores e princípios da família, organizar e formalizar as relações entre os familiares, além de estipular regras de conduta morais a serem praticadas para a preservação do bem comum, ou seja, o legado da família.
O protocolo familiar visa regular e coordenar as delicadezas existentes na relação família, justamente porque essa organização propicia um ambiente mais harmônico capaz de fomentar o crescimento sustentável e a solidez empresarial em cada geração.
Este documento se mostra ainda mais interessante em momentos de aumento da complexidade familiar, ou seja, quanto maior o crescimento de uma família maiores e mais distintas são as necessidades dos familiares junto ao negócio. Para membros que estejam ou pretendam estar na atividade empresarial, este documento terá a função de dar maior e melhor transparência sobre o papel, atribuições e responsabilidades desempenhadas.
Tanto são reais essas diferenças que podemos afirmar que, praticamente, toda família empresária possui um protocolo familiar, mesmo que ele não esteja escrito, consistindo em regras informais e tácitas que foram estabelecidas ao transcorrer do tempo. Nesse sentido, a formalização do protocolo familiar teria como ponto inicial essas regras previamente existentes, com maior aprimoramento, já que a família e a empresa não são estáticas e devem almejar evoluções. Formalizado o protocolo familiar, é recomendável que todas as gerações da família, desde as mais antigas (os precursores/ anciãos) até as mais novas, sejam envolvidas no processo de elaboração do documento, assegurando maior alinhamento (IBGC, 2018, p. 16).
Por outro lado, há o acordo de acionistas. Previsto no artigo 118 da lei n.º 6.404 de 15 de dezembro de 1976, o acordo de acionistas é um importante instrumento para contribuir com a governança corporativa da empresa assim como para minimizar, ou até mesmo evitar, conflitos entre acionistas, já que, nos termos do artigo de lei citado acima, as disposições sobre compra e venda de ações, preferências para adquiri-las, exercício do direito a voto ou do poder de controle deverão ser observados pela empresa quando o acordo de acionistas estiver arquivado na sua sede.
É sabido que essas disposições são sensíveis e quase sempre são o centro do nascimento de conflitos, ainda mais quando não são reguladas de maneira transparente e alinhada com os interesses de todos os acionistas.
Na prática, o acordo de acionistas é um acordo firmado pelos acionistas que tem por finalidade regular os direitos e obrigações dos acionistas no tocante aos temas que forem tratados no acordo, devendo as partes subscritoras respeitarem e fazer respeitar o acordo.
Apesar do acordo de acionistas não ser um instrumento obrigatório para as empresas é recomendável a sua elaboração e constituição para regular a relação entre os acionistas, já que nem todas as disposições que dizem respeito aos direitos dos acionistas estão previstas no estatuto social da empresa. E não seria possível prever, pois o estatuto tem como função principal tratar dos itens relevantes para a empresa e não dos detalhes da relação entre os acionistas.
Todas as matérias de interesse dos acionistas podem ser tratadas no acordo de acionistas devendo, contudo, respeitar a legislação e o estatuto social. Apesar da lei das sociedades por ações ser taxativa sobre os assuntos que o acordo de acionistas pode tratar, não há impedimento do acordo tratar de outros assuntos de interesses dos acionistas, como distribuição de dividendos, por exemplo.
Isso é possível principalmente porque alguns doutrinadores definem o acordo de acionistas como um negócio jurídico que independe do estatuto social da empresa, com autonomia, mas ao mesmo tempo acessório do estatuto da empresa.
E por ser um negócio jurídico não há atualmente qualquer dúvida da possibilidade dos sócios em sociedade limitada também usarem deste instrumento na sociedade empresária constituída como sociedade limitada. Neste caso, a denominação mais adequada para o acordo de acionistas é acordo de sócios ou acordo de quotistas.
Apesar do acordo de acionistas estar previsto apenas na Lei das Sociedades por Ações ele pode ser usado, também, entre sócios de sociedades limitadas e o seu campo de tratamento pode ir além do que é previsto na lei das Sociedades por Ações.
Para isso, basta aos sócios em sociedade limitada firmarem o acordo que disporá sobre os direitos que serão regulados, não violar a legislação e o contrato social e arquivar uma via do acordo na sede da sociedade e, se quiserem que produza efeito contra terceiros, arquivar uma via no Cartório de Títulos e Documentos.
Seja acionista em sociedade por ações ou sócio em sociedade limitada, é fato que o acordo de acionistas, ou acordo de sócios, é um importante instrumento à disposição do acionista (ou sócios) e tem como principal função regular os direitos dos acionistas almejando o melhor da convivência entre os acionistas.
Para as empresas familiares o acordo de acionistas encontra relevante papel. É que quando nos deparamos com uma empresa constituída por acionistas com vínculo familiar a probabilidade de existir um conflito entre os acionistas é muito maior do que entre acionistas sem vínculo familiar.
Isso porque, nem sempre a família empresária prepara as pessoas a partir da segunda geração para serem sócias de outras pessoas em um negócio que não tiveram a liberdade de escolher o negócio. Olhar para um acionista com vínculo familiar é uma experiência diferente de olhar para um acionista sem vínculo familiar. Apesar de serem acionistas, a emoção e sentimento muitas vezes superam e prevalece sobre a razão e isso pode eclodir conflitos societários que muitas vezes não ocorreriam se o ingrediente emoção e sentimento (familiar) não tivesse prevalecido.
Principalmente nos casos de acordo de acionistas em família empresária o acordo deve ser elaborado por várias mãos, onde todos os acionistas devem participar ativamente da sua construção permitindo, assim, que os acionistas exercitam a capacidade de se comportar como acionistas perante um parente e aprendam a respeitar e dialogar com pessoas que ele não escolheu para o negócio, fortalecendo a relação como acionistas, assim como os vínculos com o negócio.
Não existe um modelo padrão, não existe fórmula mágica, não existe copia e cola para a elaboração do acordo de acionistas. Ele deve ser elaborado e construído em conjunto por todos os acionistas, em um trabalho coletivo, com engajamento, diálogo e convergência dos objetivos de vida e interesses de cada acionista.
Como os próprios nomes revelam, o protocolo familiar envolverá toda a família, inclusive membros não atuantes da empresa como cônjuges. O acordo de acionistas, por sua vez, disporá sobre regras societárias daqueles envolvidos diretamente na empresa e não necessariamente membros da família.
Um documento não substitui o outro e apesar das suas diferenças, é possível a existência simultânea de ambos os instrumentos, cada qual com a sua importância, já que contribuem para o crescimento sustentável e solidez do negócio ao longo de cada geração, transformando as expectativas em combinações efetivas e formalizadas o que enseja no direito de cada parte envolvida exigir o seu cumprimento com o devido respaldo, segurança e profissionalismo.
Este material foi elaborado para fins de informação e debate e não deve ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
Alex Altimari – alex@gomesaltimari.com.br
Carollyne Molina – carollyne@gomesaltimari.com.br
João Teixeira – joao.teixeira@gomesaltimari.com.br
Júlia Muller – julia@gomesaltimari.com.br
Referências:
IBGC. O Papel do Protocolo Familiar na Longevidade da Família Empresária. São Paulo, IBGC, 2018 (Série IBGC Pesquisa).