A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deverá definir se é válida a comunicação remetida por e-mail a consumidor sobre sua inscrição em cadastro de inadimplentes. A falta deste aviso tem gerado, há anos, milhares de ações judiciais com pedido de indenização por dano moral. Ontem, os ministros da 4ª Turma da Corte consideraram legal o uso da ferramenta eletrônica. Mas, ao analisar o assunto anteriormente, a 3ª Turma já havia proferido decisão em sentido oposto.
No julgamento, os ministros destacaram que a discussão é relevante para o país. O Brasil tinha 72 milhões de inadimplentes em janeiro, segundo dados do Serasa Experian, com dívidas que somavam R$ 382,2 bilhões. Em média, o valor das dívidas é de R$ 1.410,73. A maior parte dos débitos é com bancos ou referente a cartão de crédito (29,37%), seguidas por contas básicas, como água, luz e gás (23,09%), financeiras (16,76%) e varejo (10,95%).
No caso, um consumidor recorreu de decisão que negou pedido de pagamento de indenização por dano moral por inserção indevida de seu nome em cadastro de inadimplentes. A comunicação prévia a ele foi feita exclusivamente por e-mail.
O caso trata de uma ação condenatória contra a Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre. O nome do consumidor pessoa física teria sido inscrito pelo serviço de proteção ao crédito. As dívidas eram de R$ 22 mil e R$ 6 mil no banco Santander.
Na sentença da primeira instância da Justiça, foi determinado que não havia anuência do devedor com relação a essa forma de condenação. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julgou improcedente a ação judicial, negando o pedido da pessoa física, que recorreu ao STJ.
Na Corte superior, a relatora, ministra Isabel Gallotti, votou para rejeitar o pedido do consumidor. Segundo a ministra, o avanço tecnológico e a popularização de comunicações por meio eletrônico autorizam entender que a determinação de que a inscrição seja “comunicada por escrito ao consumidor” do Código de Defesa do Consumidor (CDC) é mais abrang
A comprovação do envio e entrega de e-mail no servidor do destino é de fácil acesso para empresas mantenedoras de cadastros, segundo ela. Para a relatora, não há necessidade de comprovar que a comunicação foi lida pelo destinatário. Esse foi o entendimento que prevaleceu hoje, por maioria de votos.
O julgamento foi retomado com o voto vista do ministro Marco Buzzi. Ele divergiu em parte da relatora e ficou vencido. Para Buzzi é possível a notificação eletrônica, mas algumas condições precisam ser seguidas — incluindo a ciência inequívoca da mensagem pelo interpelado.
Outras condições necessárias seriam que o consumidor, na contratação do serviço, seja avisado e aceite a comunicação eletrônica para cobrança de valores ou alerta de inclusão de nome, seja previamente informado especialmente quando há cobrança de valores ou inclusão do nome em cadastros restritivos.Além disso, para Buzzi, a comunicação eletrônica sobre a inclusão do nome deve conter a expressão “notificação ou interpelação extrajudicial” e ser efetivamente recebida na caixa de entrada ou número de celular fornecido na contratação com a ciência do devedor (devidamente lida).
No caso concreto, o ministro considerou estranho que tenham sido encaminhados e-mails para um endereço de nome “Aline” se o devedor se chamava “Flávio”. O título do e-mail também foi inadequado, segundo o ministro: “Comunicados Importantes Boa Vista Serviços”.
“Tal comunicação jamais se caracterizaria como notificação segundo o Código de Defesa do Consumidor”, afirmou Marco Buzzi, que ponderou ser possível que o devedor acreditasse se tratar de fraude. No caso concreto, a comunicação enviada não cumpriu os requisitos mínimos, segundo o ministro.
No voto, o ministro lembrou que a 3ª Turma do STJ já decidiu que a notificação do consumidor sobre inscrição de nome em cadastro restritivo de crédito exige o envio de correspondência ao endereço do devedor. A Turma vedou a notificação exclusiva por meio de endereço eletrônico (e-mail) ou mensagem de texto de celular (Resp 2056285).
O ministro afirmou que considerou que a realidade brasileira está muito evoluída quanto ao uso de internet e telefonia móvel. Citou dados do IBGE que apontam que 46% dos domicílios brasileiros têm computador ou tablet. E 96% têm telefone móvel ou celular.
A relatora destacou que, apesar da diferença nos nomes, o e-mail foi enviado ao endereço indicado pelo consumidor. O voto dela foi seguido pelo ministro Antonio Carlos Ferreira, que considerou que o requisito da lei foi seguido e não há controvérsia em relação ao endereço de e-mail — porque o devedor não apontou que não seria o e-mail dele. O ministro Raul Araújo também seguiu a relatora, formando a maioria.
De acordo com a advogada Janaína de Castro Galvão, sócia da área cível da Innocenti Advogados, a decisão é relevante já que o artigo 43, paragrafo 2°, do CDC estabelece que, nesse caso, o consumidor deve ser comunicado por meios oficiais. “Se por um lado impedir o envio da comunicação apenas por e-mail tem por justificativa a proteção ao consumidor, para não ser “pego de surpresa”, por outro lado a demonstração clara e inequívoca do recebimento e leitura por e-mail não pode ser renegado”, afirmou.
Segundo a advogada, é prematuro dizer se essa decisão passara a ser adotada nos tribunais inferiores por haver a hipótese de ser levantada divergência com relação a 3ª Turma.
Já para Marcos Filipe Aleixo de Araújo, especialista em direito civil e do consumidor do Peixoto & Cury Advogados, a decisão da 4ª Turma do STJ trará celeridade e praticidade aos atos administrativos de inclusão do nome de devedores no cadastro de maus pagadores. Segundo o advogado, com a divergência de entendimentos entre as Turmas, é possível que em um futuro próximo, o STJ faça um julgamento no colegiado para pacificar seu entendimento.