No episódio anterior da série abordamos sobre o Canal de Denúncias, explicando no que essa ferramenta consiste, os seus desdobramentos como o canal de denúncias interno e o externo. Neste momento da série iremos tratar sobre o regime de casamento e sua repercussão na seara empresarial, especialmente no que concerne ao planejamento sucessório.
O planejamento sucessório é uma prática essencial para garantir a perenidade das empresas familiares. Nesse contexto, a governança familiar desempenha um papel indispensável na gestão e na transferência do patrimônio dos sócios e da empresa. Um dos aspectos muitas vezes negligenciados no planejamento sucessório é a escolha adequada do regime de casamento dos sócios e herdeiros.
A escolha do regime de bens pode ter implicações significativas para a governança familiar e para a continuidade da empresa por gerações. O regime de casamento define as regras de divisão do patrimônio durante o casamento e em casos de divórcio ou falecimento.
No Brasil, esse regime pode ser escolhido pelos cônjuges antes ou durante o casamento, de acordo com a legislação vigente. Essa é uma mudança no Direito brasileiro, pois nem sempre foi assim, antes se impunha a imutabilidade do regime de bens escolhido na celebração do matrimônio. Nesse sentido, a instituição e da mudança do regime de bens trata-se de uma possibilidade prevista no planejamento sucessório.
Assim, aquele que cultiva o desejo de antever o futuro de certos bens que integram seu patrimônio deve arquitetar uma estratégia a longo prazo com o escopo de planejar seus negócios, corrigindo erros, isto é, fechando os ralos, e protegendo suas riquezas, tanto para esta quanto para as próximas gerações. Nessa linha, a estratégia de planejamento sucessório também guarda uma relação intrínseca com o Direito de Família, sobretudo quando se trata de empresas de cunho familiar. Pensar na sucessão implica em cuidar de cada detalhe, inclusive a escolha do regime de bens.
Casamento e regime de bens:
A legislação nacional (Código Civil) estabelece quatro tipos de regime de bens:
- Comunhão parcial: é o regime mais comum no Brasil, pois vale quando não há acordo prévio entre o casal. Nesse regime, os bens que cada um possui antes do casamento ou da união não se comunicam, mas os que são adquiridos depois, de forma onerosa, passam a ser de ambos, assim como os frutos de todos os bens (comuns e particulares).
- Comunhão universal: nesse regime, todos os bens do casal, presentes e futuros, se comunicam, exceto os que foram recebidos por doação ou herança com cláusula de incomunicabilidade ou os que se sub-rogaram em seu lugar. As dívidas anteriores ao casamento ou à união também não se comunicam.
- Participação final nos aquestos: nesse regime, cada um tem o seu próprio patrimônio e administra os seus bens como quiser, podendo inclusive aliená-los sem autorização do outro, se forem móveis. Somente na dissolução do casamento ou da união é que se apura o que foi adquirido de forma onerosa pelo casal durante a relação e se divide em partes iguais.
- Separação de bens: por fim, há a modalidade do regime de separação de bens, que subdivide-se em duas modalidades: a convencional, estipulada entre os cônjuges ou companheiros, na qual permanecerão os bens sob a administração deles, podendo qualquer um alienar ou gravar ônus real, independentemente da autorização do outro; e a legal (obrigatória), imposta aos noivos que possuírem mais de 70 anos na data do casamento, aplicando-se a regra da convencional, sendo que em caso de dissolução cada parte terá direito somente aos bens com os quais contribuiu onerosamente.
Acontece que em muitos casos os cônjuges só pensam nas consequências da escolha do regime de bens do casamento depois de se casarem. Face a isso, como mencionado, o legislador incluiu, no Código Civil de 2002, norma que possibilita a alteração do regime de bens após a realização do casamento.
A alteração do regime de bens pode ocorrer por meio de determinação judicial após análise de pedido motivado pelos cônjuges ou companheiros, no qual serão apuradas as razões apresentadas e a ausência de qualquer prejuízo em face de terceiros.
Pacto antenupcial e pós- nupcial como ferramenta de planejamento patrimonial e sucessório
O pacto antenupcial é uma ferramenta que permite a liberdade dos cônjuges pactuarem o regime de bens que desejam, podendo optar pelas modalidades descritas no Código Civil, para regulamentar a relação do casal em vida.
Neste instrumento, tem sido cada vez mais buscado o exercício da autonomia privada das pessoas, seja no tocante à eleição do regime de bens, seja para questões de convivência e extrapatrimoniais.
A despeito das divergências jurisprudenciais e doutrinárias e tendo em vista que o pacto antenupcial serve para regular os efeitos da ruptura de um relacionamento, que pode ocorrer por meio do divórcio ou pela morte, tem-se vislumbrada a sua utilização para questões sucessórias, desde que não contrarie a lei.
Assim, podem os cônjuges no momento da realização da escritura do pacto convencionarem acerca de eventual sucessão, deixando claras as suas intenções, constando, contudo, a ciência destes acerca de possíveis questionamentos futuros em decorrência da ausência de pacificação jurídica do tema.
Igualmente, tais questões podem ser firmadas entre as partes no pacto pós-nupcial que se trata de instrumento celebrado após a formalização do casamento. No caso de união estável, tais questões podem ser celebradas por meio de contrato de convivência ou a escritura pública de união estável.
Sem prejuízo, vale lembrar do tema que está prestes a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, acerca da constitucionalidade do inciso II, do artigo 1.641, do Código Civil que dispõe sobre a obrigatoriedade do regime de separação de bens nos casamentos de pessoa maior de 70 (setenta) anos, caso em que, dependendo do julgamento e entendimento a ser fixado, o planejamento sucessório deverá ser alterado em consonância para os respectivos casos o que exigirá maior agilidade e atenção dos profissionais envolvidos.
Portanto, é de suma relevância que as características do regime de casamento sejam alinhadas com os objetivos da governança e do planejamento sucessório. No âmbito de Direito de Família, deve seguir aos anseios de se conferir autonomia privada aos cônjuges, sem, entretanto, ferir a lei ou utilizar-se da possibilidade de alteração de regime para lesar outrem.
Este material foi elaborado para fins de informação e debate e não deve ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
Carollyne Molina – carollyne@gomesaltimari.com.br
João Teixeira – joao.teixeira@gomesaltimari.com.br
Julia Muller – julia@gomesaltimari.com.br
Fernando Pavesi – fernando@gomesaltimari.com.br