Em meio à recente legalização dos sites de apostas esportivas no Brasil e a discussão sobre a liberação geral de jogos de azar, economistas e analistas já começaram a se debruçar sobre os efeitos que a performance desse mercado exerce sobre outros setores da economia.
Segundo um relatório do banco Santander, as evidências apontam para um impacto já observado sobre o varejo, especialmente nas vendas de vestuário e calçados.
O relatório aponta que, de 2018 a 2023, os gastos com apostas subiram de 0,8% para 1,9% do rendimento das famílias, enquanto os gastos com vestuário e calçados caíram de 3,5% para 3,1% no mesmo período.
“Não dá para atribuir a perda de vestuário e calçado só por causa das ‘bets’, mas as evidências estão indicando que tem contribuído”, disse ao Valor Ruben Couto, analista de varejo da área de pesquisa de ações do Santander.
Ele cita uma pesquisa recente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) em que 63% dos entrevistados declararam que tiveram parte da renda comprometida por apostas on-line.
Além disso, conforme a mesma pesquisa, 23% afirmaram que deixaram de comprar roupas, 19% deixaram de comprar algo no supermercado, 14% reduziram gastos com produtos de higiene e limpeza e 11% deixaram de gastar com cuidados de saúde e medicações.
“Aparentemente é um dinheiro de renda, de salário, que está sendo gasto pelos usuários nos sites de apostas”, observa Couto.
Não parece estar afetando a poupança, mas ainda tem muito que precisamos conhecer sobre esse hábito”, pondera. “É algo que cinco anos atrás não existia ou não era relevante, mas se tornou uma coisa nova que compete pelo bolso do consumidor como não acontecia antes”, complementa.
Segundo dados da Comscore, desde 2019 houve um crescimento de 281% no tempo de consumo dos jogos no país.
E as apostas têm experimentado um crescimento igualmente rápido. Em 2022, o Brasil ficou em 10º lugar globalmente com US$ 1,5 bilhão em receitas brutas de jogos, segundo dados da Entain, uma das maiores empresas de apostas esportivas on-line do Reino Unido.
Na estimativa da equipe do Santander, que começou a observar o movimento para entender o desempenho de empresas de varejo listadas na B3, os brasileiros gastaram entre R$ 100 bilhões e 150 bilhões em atividades de jogos de azar em 2023 – essas atividades incluem loterias federais, apostas do mercado ilegal e apostas esportivas on-line, sendo que a margem grande da projeção se deve à dificuldade de obter dados sobre a parte ilegal.
“Assumindo o limite inferior dessa faixa, em R$ 100 bilhões, isso representa um grande salto em relação aos R$ 30 bilhões que estimamos ter sido gasto em 2018”, aponta o relatório do banco.
Para o cenário futuro, Couto destaca que, além dos sites de apostas esportivas, uma eventual liberação de cassinos e jogos de azar, que está em tramitação avançada no Congresso Nacional pelo Projeto de Lei 2.234/2022, pode vir a afetar ainda mais as vendas no varejo.
“É uma tendência que não tem porque parar”, diz, em referência ao direcionamento de parte da renda das famílias a jogos e apostas.