A pior seca da história de Manaus (AM), principal polo de produção de eletrônicos e itens de tecnologia do país, elevou o alerta para problemas de abastecimento na Black Friday entre as redes que não anteciparam as compras para o período. Em relação ao Natal, há temor de que a estiagem avance sobre o mês de novembro, o que pode afetar o cronograma de entregas às lojas em dezembro.
A hipótese de que faltem mercadorias no comércio tem feito varejistas reorganizarem a estratégia de vendas para o fim do ano. O principal efeito, caso esse cenário de seca permaneça, deve ser a limitação de ofertas e de descontos na Black Friday. “Como cresce o temor de gargalos, não faz sentido criar promoções agressivas para desovar mercadorias. Se já existia uma postura maior de preservar margens no varejo neste ano, e não queimar produtos, com a seca agora isso fica ainda mais forte, pelo que temos ouvido das redes”, afirmou ontem o diretor de uma companhia de pesquisas em consumo.
Empresas foram ouvidas pelo Valor nos últimos dias, e parte delas tem acionado planos de emergência para contornar o problema. Das 100 empresas instaladas na Zona Franca de Manaus, 36 anteciparam as férias coletivas de dezembro, disse ontem o Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas (Sindimetal-AM), já que a produção caiu com o recuo no volume de volume de insumos transportados pelos rios. A maioria dessas companhias é do setor eletrônico e de motos.
As férias começam entre esta semana e a próxima e devem durar de 10 a 20 dias, afirmou ontem Valdemir Santana, presidente do sindicato – portanto, o período irá invadir o mês de novembro, quando ocorre a “Black November” nos sites e lojas. São 12 a 16 mil empregados nessa parada temporária.
As companhias Samsung, Midea, SempTCL, TPV (que detém os direitos da marca Philips) estão em férias coletivas, segundo Santana, antecipando a parada que ocorre após o Natal. Tem sido afetada a produção de TVs, monitores e ar-condicionado, por exemplo.
A Samsung autorizou férias a 1,5 mil pessoas de 30 de outubro a 14 de novembro. A Multi (antiga Multilaser) concedeu descanso a funcionários com saldo de férias a tirar. A empresa brasileira acredita que as linhas de TV e roteadores da marca podem ser afetadas pela seca, por conta dos problemas no fornecimento de componentes.
Uma estratégia tem sido trazer insumos da China por avião para o abastecimento da fábrica, disse a Multi em nota ao Valor. “A seca está afetando todas as empresas do polo industrial de Manaus, então existe uma chance grande de desabastecimento do mercado nos próximos meses, especialmente aparelhos de televisão e áudio”, disse, na nota, Alexandre Ostrowiecki, CEO da Multi.
A Philco, que diz sentir dificuldades na logística em Manaus desde as primeiras semanas de outubro, analisa a possibilidade de antecipar férias coletivas. Perguntada sobre a hipótese de desabastecimento no fim de ano, diz que a falta de componentes e o alto estoque de produtos acabados (parados na unidade pela falta de transporte) podem permanecer por mais tempo se a seca se prolongar, informa em nota.
Cerca de 95% da logística em torno da Zona Franca é feita pelos rios, e como os níveis estão nas mínimas históricas, há três semanas não chegam navios com contêineres de insumos da China, diz a Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac). Normalmente, são 15 mil contêineres em em circulação em Manaus por mês.
O despacho dos insumos à Zona Franca e o envio de mercadorias de lá tem ocorrido em balsas que são mais lentas e transportam 5% a 10% do volume dos navios.
A produção de televisores, ar-condicionado e monitores tem sido afetada na Zona Franca de Manaus
“Parte do pessoal da indústria e do varejo anteviu o problema e se organizou melhor para a ‘Black’, antecipando as entregas, mas para o Natal ainda há dúvidas porque essa entrega não foi antecipada, e ainda não há clareza sobre a volta da navegabilidade dos rios”, diz Luis Fernando Resano, vice-presidente executivo da Abac.
Resano conta que houve chuvas isoladas na cabeceira dos Andes nesta semana, que afetam, por consequência, o rio Solimões, mas até ter um efeito importante são necessárias algumas semanas consecutivas de chuva. Os principais rios utilizados pelas empresas no transporte são Negro e Solimões.
Outra opção é usar a BR 319, de Manaus a Porto Velho, mas o estado da rodovia é precário, o que prolonga o período de transporte. No caso do Natal, a distribuição da encomendas ocorre entre novembro e início de dezembro, e não há perspectiva de retomada nos níveis dos rios para patamares navegáveis nas próximas duas semanas. “Se continuar a chover na cabeceira dos Andes, a Marinha calcula de 10 a 15 dias para conseguirmos atingir um calado [profundidade] para a passagem dos navios. Mas a questão é que dependemos das chuvas”, diz o presidente-executivo do Cieam, o centro das indústrias do Amazonas, Lúcio Flávio de Oliveira.
Para Oliveira, a região está entrando numa “semana crítica”, quando as chuvas podem ganhar a força prevista. “E se elas [as empresas] conseguem ou não estender mais essa corda”, disse.
No caso da Black Friday, o efeito negativo pode ser mais nocivo para as redes médias, porque elas têm maiores dificuldades de antecipar o recebimento dos produtos da “Black”, por conta da necessidade de adiantar desembolso de caixa para pagamento não previsto.
Grandes cadeias foram alertadas por fabricantes em setembro, apurou o Valor, para o risco de seca severa e negociaram envio antecipado parcial para a Black Friday. Apesar desse cenário, mesmo as redes de maior porte começaram a sentir dificuldades pontuais.
Em São Paulo, já há falta de produtos como ar-condicionado, diz um executivo de uma rede nacional. Há 11 fábricas de ar-condicionado em Manaus. “Nós nos programamos, e recebemos parte da venda da ‘Black’ antes, mas o recebimento de ar-condicionado está menor que a venda, e estamos complementado as opções aos clientes usando as ofertas dos lojistas
Uma rede de menor porte, com cerca de 100 lojas no Estado de São Paulo, diz que tem recebido avisos dos fornecedores. “Samsung e Aiwa já nos alertaram que haverá atrasos de alguns dias nos pedidos para a Black, e algumas mercadorias, como TV e ar condicionado, têm chegado de forma picada”, diz o superintendente dessa rede.
A Samsung, cuja produção está toda concentrada na Zona Franca, confirma as dificuldades, e diz que se preparou para a piora da seca com antecedência. “ Iremos operar o nosso programa de produção de maneira flexível para responder a qualquer necessidade e minimizar o impacto”, informa, em nota.
O fato de o segmento não estar com demanda tão aquecida, e existirem estoques mais robustos em redes líderes, como Casas Bahia e Magazine Luiza, reduz riscos de desabastecimento. Um outro ponto favorável é a capacidade de reação das indústrias, caso o cenário de seca perca força.
Oliveira, da Cieam, lembra que, pela eficiência da indústria em condições normais, em duas semanas as entregas de novembro e dezembro podem ser normalizadas.
Procurada, a TCL Semp diz que suas operações estão funcionando parcialmente e a ideia é gerar o menor impacto possível na cadeia. Ela afirma que a antecipação de envios evitará que a Black Friday seja afetada.
O CEO da Multi diz em nota que não concederam férias coletivas porque produzem sob demanda e tentaram “contornar os atrasos negociando com os clientes prazos maiores, informando que devido à seca, a navegação via balsas está sendo realizada com até 7 dias a mais do que o normal”, diz. A Multi diz que as cargas de menor volume têm sido despachadas via aérea.
A Philco informa que fez entregas com antecedência, mas estuda hipótese de férias coletivas. Procuradas pelo Valor, LG, Midea, Whirlpool (Brastemp e Consul), Electrolux e TPV não se manifestaram. A Positivo Tecnologia diz que não entrará em férias coletivas e a fábrica segue produzindo.
Fonte: VALOR ECONÔMICO