Os herdeiros saíram na frente no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) vai definir se os Estados podem cobrar ITCMD de residentes que receberam doações ou heranças de bens que estão fora do país ou foram enviados por pessoas domiciliadas no exterior. Por enquanto, votou apenas o relator, ministro Dias Toffoli, contra a tributação.
O julgamento, que afetará as famílias mais afortunadas do país, ocorre no Plenário Virtual. Os demais ministros têm até a próxima sexta-feira para votar, pedir vista ou que o processo seja julgado no Plenário presencial.
O tema é relevante para as Fazendas estaduais. Só no Estado de São Paulo, existem pelo menos 200 processos aguardando julgamento, em ações que envolvem cerca de R$ 60 bilhões — o que pode provocar um impacto na arrecadação de R$ 5,4 bilhões, incluindo eventuais devoluções a quem já pagou o imposto.
O valor a ser recuperado supera o total arrecadado por ano com o ITCMD. São cerca de R$ 3 bilhões entre doações e heranças, segundo a Procuradoria-Geral do Estado (PGE). A alíquota é de 4% em São Paulo. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entende que, por falta de regulamentação, o tributo não pode ser cobrado.
No STF, o tema é julgado em ação de uma advogada que recebeu uma herança do pai, residente na Itália, e obteve autorização do TJ de São Paulo para não pagar ITCMD. Essa autorização está sendo contestada pela PGE paulista e, se o Supremo aceitar a contestação, a decisão terá repercussão geral, ou seja, valerá para todos os processos sobre o tema em tramitação no país.
Os ministros analisam a matéria por meio de um recurso (RE 851.108) apresentado pela própria PGE de São Paulo, que contesta a decisão que favoreceu a advogada.
Em São Paulo a Lei nº 10.705, de 2000, prevê a cobrança do ITCMD sobre bens no exterior ou que foram enviados por pessoas que residem fora do país. Os contribuintes alegam que o Estado não tem essa competência e que a cobrança deveria estar prevista em lei federal. O Estado sustenta que o artigo 24 da Constituição Federal permite a cobrança.
Foi uma brecha no texto da Constituição de 1988, que previa a lei complementar para regulamentar a cobrança do ITCMD para quem tinha ativos no exterior, que deu margem para inúmeros processos que chegaram ao Judiciário brasileiro. Como o Congresso nunca legislou sobre o tema, a controvérsia foi parar no STF.
Voto
O relator da ação no Supremo, ministro Dias Toffoli, lembrou em seu voto que por causa da falta de lei complementar diversos Estados instituíram a cobrança do ITCMD. Dos 27 Estados, 22 criaram regras de tributação sobre heranças recebidas no exterior.
Para o relator, embora a Constituição atribua aos Estados a competência para instituição do ITCMD, ela a limita ao estabelecer que cabe a lei complementar (e não a leis estaduais) regular isso em relação aos casos em que há bens, residência ou inventário processado no exterior. “A Constituição de 1988 não concedeu aos Estados a competência para instituir o ITCMD nessa hipótese, pois tal competência deve ser regulada por lei complementar”, afirma, no voto.
O ministro destaca que outros Estados têm leis semelhantes que também seriam inconstitucionais, pelo mesmo raciocínio. Mas pondera que existem decisões do STF favoráveis às normas e, por isso, propõe a modulação dos efeitos da decisão, estabelecendo que ela produza efeitos apenas quanto aos fatos geradores que venham a ocorrer a partir da publicação do acórdão.
O relator sugeriu a seguinte tese: “É vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no artigo 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.
Fonte: Beatriz Olivon e Joice Bacelo – Valor Econômico. Acesso em: 23/10/2020.