Em uma tradução literal, poderíamos dizer que pink tax é o “imposto rosa” ou uma “taxa rosa”.
Contudo, essa tradução carrega uma conceituação imprecisa, pois sabemos que em nosso sistema tributário não existe esse imposto e/ou taxa rosa, ou seja, nenhuma relação jurídico-tributária ligada diretamente a cor do produto.
Então, a definição correta de pink tax seria de um fenômeno mercadológico, uma prática comercial, que tem repercussão econômica na vida das mulheres consumidoras.
Infelizmente, a pink tax se configura por uma diferença entre preços de produtos/serviços masculinos e femininos, que, muitas vezes, ostentam as mesmas especificações técnicas, os mesmos efeitos, as mesmas destinações, mas que, quando direcionados às mulheres são mais caros, simplesmente por serem tipicamente femininos.
A disparidade entre produtos femininos e masculinos similares atinge produtos de higiene (até 20% mais caros nas versões femininas), de vestuário adulto (até 14% mais caros para mulheres que os similares masculinos) e também roupas e brinquedos infantis (até 25% de diferença no preço nas versões para meninos e meninas)[1], deixando claro que o gênero é preponderante na fixação de preço.
E nesse diapasão, considerando que a arrecadação tributária no Brasil incide majoritariamente sobre o consumo de bens e serviços[2], podemos concluir que a diferença no preço de produtos similares acaba onerando o público feminino, também, pelo viés da tributação.
Ou seja, a desigualdade econômica nas etiquetas de preço acarreta uma série de consequências práticas, sociais e jurídicas, perpetuando as diferenças sabidamente existentes entre os gêneros, num país onde, diga-se, as mulheres já se encontram em desvantagem por ganharem, em média, 20% a menos que os homens[3][4].
Vale ressaltar que citado fenômeno não é impressão ou mi-mi-mi feminista, pois existem diversos estudos a respeito do assunto, mundo afora.
No ano de 2016, o departamento de defesa do consumidor do estado de Nova York publicou uma pesquisa, onde deixou clara a assimetria de preços. Os produtos femininos vendidos naquele estado eram mais caros em 42% dos casos[5].
Já no Brasil, a Escola Avançada de Publicidade e Marketing – ESPM investigou o assunto e averiguou que os produtos femininos chegam a ser 12,3% mais caros que os masculinos[1].
Atualmente, há campanhas em diversos países para conscientizar a população sobre essa diferença de preços. Sendo que, no Brasil, estudos técnicos foram encaminhados ao Congresso Nacional para dar suporte aos projetos de lei sobre o assunto, inclusive, com sugestões para alterações nas propostas de reforma tributária em trâmite, através de excelente estudo elaborado pelo grupo de estudos de Tributação e Gênero do Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas[2].
No momento, tem-se projetos de lei para incluir a “taxa rosa” no rol de práticas abusivas do art. 39, do Código de Defesa do Consumidor[3] e para instituir a Semana Nacional de Mobilização, Conscientização e Estimulo à adoção da Campanha contra o Imposto Rosa[4].
Sob o viés tributário, a recente Emenda Constitucional nº 132/2023, que inaugura a primeira fase na reforma tributária brasileira, também marca um passo significativo na jornada para mitigar as disparidades de gênero.
Esta emenda trouxe a previsão de redução de impostos sobre produtos essenciais à saúde menstrual[5] e, embora sua implementação dependa de legislação complementar, é inegável que a inclusão da essencialidade dos produtos de cuidados com a saúde menstrual no texto constitucional, já representa um substancial avanço no combate à desigualdade existente.
Para além do Legislativo, o Poder Judiciário também tem estado atento à falta de políticas fiscais capazes de equilibrar a desigualdade de gênero, mitigando a evidente diferença na tributação/carga tributária existente entre homens e mulheres.
Trazendo como exemplo, o julgamento do Recurso Extraordinário 576.967[6], leading case do tema de repercussão geral nº 72, onde se declarou inconstitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o salário maternidade.
Sendo dadas as seguintes razões, para tal inconstitucionalidade: a desoneração da mão de obra feminina, como forma de efetivação do princípio da isonomia entre homens e mulheres; a impossibilidade de oneração em razão de circunstância ou fato da vida que lhe seja peculiar por motivo biológico, no caso, a capacidade exclusiva das mulheres de engravidar; desoneração como proteção da maternidade e da família, além da diminuição da discriminação entre homens e mulheres no mercado de trabalho, pois quando o empregador for contratar uma pessoa, ele tem que fazer, pela capacidade técnica dessa pessoa, porque gostou do perfil dela, não fazendo conta de quem vai sair mais “barato” no final do dia. Outro caso relevante foi o julgamento da ADI 5.422, que ratificou a declaração de inconstitucionalidade da incidência do Imposto de Renda sobre os valores recebidos a título de pensão alimentícia, consubstanciando que a destinação à subsistência do alimentando é incompatível com o acréscimo patrimonial.
Nas palavras do Ministro Roberto Barroso “A incidência do imposto de renda sobre pensão alimentícia acaba por afrontar a igualdade de gênero, visto que penaliza ainda mais as mulheres. Além de criar, assistir e educar os filhos, elas ainda devem arcar com ônus tributários dos valores recebidos a título de alimentos, os quais foram fixados justamente para atender às necessidades básicas da criança ou do adolescente”
Ao reconhecer o homem como sujeito que majoritariamente paga pensões no país, o ministro Barroso esmiuçou fato importante: o pai poderá abater da base de cálculo de seu imposto de renda a integralidade dos valores pagos, mas a mãe, responsável civil e tributária do alimentando, é quem sofre a incidência tributária como se os “alimentos” fossem rendimento recebido, em situação que nomeou como “verdadeiramente anacrônica, anti-isonômica e em verdadeira violação ao melhor interesse da criança e a sua proteção integral“.
Não é demais destacar que a igualdade de gêneros encontra-se expressa no artigo 5º da Constituição Federal, enquanto que, sob o viés tributário, o princípio da igualdade encontra expressão no princípio da isonomia, que, à luz do disposto no artigo 150, inciso II e do § 1ª do artigo 145 da CF, não só veda tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, como exige tratamentos diferenciados quando se verifica distinção na capacidade contributiva ou na essencialidade do produto.
E assim, a carga tributária de um mesmo produto suportada por homens e mulheres não pode ser reduzida, tão somente, à análise das alíquotas previstas na legislação, é imprescindível que se considere a garantia à igualdade entre os gêneros na tributação, incorporando a análise do contexto social e da discriminação da mulher, infelizmente, tão presente em nossa cultura e sociedade, sob pena de ferir citados princípios constitucionais.
Para o Ministro Barroso, a premissa que deve viger as políticas fiscais é a equidade de gênero, eis que, segundo ele, “a tributação não pode ser um fator que aprofunde as desigualdades de gênero, colocando as mulheres em situação social e econômica pior do que a dos homens. É inconteste que o dever de cuidado, socialmente construído e atribuído primordialmente às mulheres, precisa ser dividido entre os membros do casal ou do ex-casal da forma mais equânime possível, sendo inconstitucional que, em contrapartida aos cuidados dos filhos, a mulher sofra oneração por parte do Estado. É necessário, desse modo, conferir à discussão sobre o impacto da tributação sobre o gênero feminino o status constitucional que ela merece“.
Por tudo que vimos, não restam dúvidas quanto aos nocivos efeitos da desigualdade de gênero, seja do ponto de vista social, econômico, político ou jurídico.
E, num mundo onde muito se tem discutido sobre a valorização do indivíduo e o consumo consciente, é preciso reafirmar o compromisso social de cada empresa com a luta pela igualdade de gênero, abominando práticas empresariais que reforçam a errônea ideia de marginalização do poder de compra da mulher, como a pink tax. Cabendo, também, ao Estado cabe o dever de balizar e criar mecanismos para garantir os direitos e garantias fundamentais no bojo das relações jurídico-tributárias, enquanto expressão máxima do Estado democrático de Direito.
Janaína Cardia Teixeira – janaina@gomesaltimari.com.br
Referências:
[1]https://static.poder360.com.br/2018/07/TAXA-ROSA-GENERO-1.pdf
[2]https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:38233
[5] https://www.nyc.gov/assets/dca/downloads/pdf/partners/Study-of-Gender-Pricing-in-NYC.pdf
[6] https://static.poder360.com.br/2018/07/TAXA-ROSA-GENERO-1.pdf
[7] https://direitosp.fgv.br/sites/default/files/2021-09/reforma_e_genero_-_final_1.pdf
[8] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2139724
[9] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8941809&disposition=inline
[10] art. 9, §1º, inciso VI da EC 132/2023.
[11] https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15344732542&ext=.pdf